Identificação
[BNP/E3, 14B – 41]
Alberto Caeiro - Águia
Da certeza e {…} com que os seus sentidos apreendem a realidade não pode haver dúvida. Vejam-se |estes passos|:
e corre um silêncio…
um vago ouro lustroso…
A sua imaginação é curiosamente infantil e límpida. As imagens são por vezes de uma frescura que nos arranca a tudo quanto em nós se acumula de civilizado e nos torna a qualquer coisa que, não sabemos onde nem como, perdemos:
{…} como o levantar-se vento…
{…} como um girassol.
Isto, que parece tão simples e espontâneo, precisa de uma enorme cultura de visão e audição, de atenção aos fenómenos naturais. Ser-nos-á permitido perguntar (o meu desconhecimento total da poesia do sr. Alberto Caeiro permite-me isso) se não exige também, e antes disso, uma preliminar cultura literária verdadeira? Se fôssemos sentenciados a imaginar por força que espécie de homem o sr. Caeiro é, diríamos que nos parece ser autor já não novo
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– não muito novo, pelo menos – que, tendo atravessado um período de juventude de vasta cultura literária, por qualquer razão se retira para o campo e aí, abandonando de todo a literatura e a cultura pelo livro, se entrega à natureza com o cérebro assim preparado, e, é claro, |mais do que apto a sentir pelo génio que Deus lhe dera.|
No meio da sua aparente espontaneidade, a poesia do sr. Alberto Caeiro sabe-nos curiosamente a culta; e, conquanto pareça, e conquanto soe ingénua e {…}, não conseguimos tirar de nós a impressão de que ela é de um homem culto e lido.
Não queremos com isto dizer que se trata de uma mistificação. (Que génio desses era preciso terem os muitos que fizessem as mistificações destas!)