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Fernando Pessoa
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BNP/E3, 14A – 38-39
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[Sobre António Botto]
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Sobre António Botto]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 14A – 38-39]

 

Se, porém, António Botto não hesita em cantar o corpo masculino, é certo que também se não esquiva de cantar o feminino. Reconhece, como esteta que é, a beleza masculina. Reconhece a mesma beleza do corpo masculino, sobretudo, é claro, a do adolescente, que é o hermafrodita natural e justo.

 

“Antes” masculina que |feminina, disse Winckelmann; não disse “só” masculina, como parecem e supor[1] os que, como o público, não lêem o que estão lendo. O esteta reconhece a beleza feminina, e, seu fim artístico[2] dirige-a, canta-a; canta-a pois tal qual é e como é, mas não como se fosse a única beleza. E a criança?

 

Não Hércules, que é só a força, mas Apolo, que é a força e a graça, ou a força na[3] graça, é o que {…}

 

Apolo, o adolescente adulto, e não como Eros, o Antínoo nesta vida, o adolescente criança,[4] o abrir um pouco triste, porque a infância se perde, |da flor da vida.|

 

Se uma ou outra vez um elemento sexual se insinua na sua admiração de esteta pelo corpo masculino, isso deriva da sua normal condição humana solicitado sempre pelo amor quando a beleza tem um corpo, e só difere, em essência, da sensualidade natural em que Santa Tereza se entregou em êxtase a seu amante Jesus, o que, aliás, em nada diminui o seu êxtase ou a sua santidade.

 

[38v]

 

Era no prado no pé das rengas das oliveiras, por onde faziam caminho as mulheres que vinham à fonte. Todos nós nos apontávamos lá em baixo, onde era a entrada do povoado, e ali víamos aos que chegavam e como eram feitos |em seus corpos|. Uma vez ali estávamos, veio ele em vez delas e a nenhum de nós pesou que fosse ele, e não elas, que viesse. E foi então que, estando nós sem saber se[5] o vimos, ele verdadeiramente nos disse:

“Venho também das montanhas, de onde o amor também pode vir. Porém eu trago, não o amor que trago, senão aquele que levo. Não vou dar senão o que vos tomo, por isso vos peço o que não tendes. Quantos de vós esperais aqui o que não sabeis, e falais do que passa com os que passam; porém comigo não falais, pois venho e não passo, e |só| chego[6] se já estava[7] convosco. Sou eu contudo que vos falo: que os outros, por que estais são o mundo, ou[8] os outros, por que esperais, são a vida; eu, pois, sou a verdade e a vida.”

E, uma outra vez, sendo já sombra, ele disse: {…}

 

[39r]

 

{…} a alma desse conceito. E porque é o conceito do dharma índio o que deveras incarna neste ideal, daremos[9] a este ideal o[10] nome de ideal índio.

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Para que esta actividade deveras preocupe, {…} o clássico, a paisagem, a natureza |*inteira| em sua exuberância dolorosa, em seu horroroso esplendor.

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António Botto e o Ideal Estético Criador.

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Aceitar a vida por boa, por se supor não haver outra nossa melhor, não é, porém, a aplicação de um ideal, senão a abdicação de qualquer ideal. Por isso ao conter da vida, vida,[11] não conseguiram senão uma arte essencialmente fruste.

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O inferno segundo o Evangelho que na errada interpretação do † dos judeus é a morte do além, não o seu penar eterno.[12]

Sent 33pp=152 rs

16pp=75 1/2 rs.

 

[39v]

 

Para contemplar sorrindo a vida em seu glorioso curso é preciso, contudo, uma grande secura da sensualidade. Tal foi, patentemente, o caso de Anatole France. Condena o belo e o que não é belo, o nobre e o vil, com a mesma indiferença Vidente – quem, que deveras sinta, o poderia fazer? Aquele para quem um poente e um crime são fenómenos igualmente indiferentes, paralelamente objectivos, converte-se no mero espelho que afinal nascera – claro, exacto, frio[13]. É uma matemática da sensação {…}

_______

“Cansamo-nos de tudo, excepto de compreender”, disse o escoliasta de Virgílio. E porque não também de compreender, se verdadeiramente não compreende nada? {…}? O que é que compreendes, se pensas? Na verdade não compreendes nada.

Há porem, nesta |atitude|, não só uma secura da sensualidade, senão também uma estreiteza da inteligência. Ambas as coisas se vêm num exemplo moderno de esta crítica – Anatole France.

 

 

 

[1] parecem/e\ e supor/em\

[2] artístico /(criador)\

[3] na /da\

[4] criança /infantil\

[5] se /que\

[6] chego /cheguei\

[7] estava /estivesse\

[8] ou /e\

[9] daremos /integraremos\

[10] o /como o\ /pelo\

[11] vida, /vida mais valor\,

[12] penar eterno. /castigo sem fim.\

[13] exacto /frio\, frio /morto\

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/3095

Classificação

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Literatura
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Descrição Material
Dimensões
Legendas

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Português

Dados de conservação

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Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Pauly Ellen Bothe, Apreciações literárias de Fernando Pessoa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013, pp. 123; 326-328.
Exposições
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