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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3,19 - 105
Imagem
Victor Hugo.
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
Victor Hugo.
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[19 – 105]

 

Victor Hugo.

 

Que não é um lírico supremo? Decerto que o não é. Mas, perguntar-se-á, não será isto um erro, devido à forma das suas poesias, aos alexandrinos, às parelhas, à própria língua francesa, imaleável, suavemente dura, musicalmente rígida? Não; a poesia lírica gera a sua própria forma; a forma da poesia corresponde sempre ao pensamento. Se a forma não é lírica não o pode ser a ideia. E uma língua não servir para o lirismo indica apenas que o povo que a fala não serve para o lirismo; e se o povo é de natureza não-lírico, como pode ser lírico um membro desse povo? Nada mais simples e fácil de compreender.

A poesia lírica pura e suprema conhece-se por se manifestar através de um quase nada de pensamento e de emoção. Assim nos seguintes trechos eminentemente líricos o que é que há de intelectual ou de nitidamente e coerentemente emotivo:

cravo roxo

verde pino

Claro está que quanto maior for a ideia, mantendo-se igual o lirismo, tanto maior será a poesia lírica.

Outro característico da poesia lírica essencial — é realmente outro aspecto do mesmo característico — é o facto de que quanto menos poética em si a forma, mais a poesia lírica essencial a transmuta para uma forma suprema. Assim as três línguas europeias onde maior poesia lírica pura e essencial existe são a inglesa, a alemã e a portuguesa, que são, qual-

 

[105v]

 

quer delas, inferior em música às línguas francesa, espanhola e italiana. E dos ingleses o maior lirista é o escocês, justamente quem mais áspera e impoeticamente fala a língua comum da Grã-Bretanha, e o menor lirista o irlandês, cuja língua e cuja forma de falar a língua inglesa é a menos áspera de todas. Não é aqui o lugar para estudar o lirismo especial de cada nação europeia.

O mesmo que se dá com a língua dá-se com a forma escolhida. Em inglês a forma lírica suprema é o verso solto que é, por si, a forma mais prosaica do verso. Em alemão o mesmo acontece. Em português parece não acontecer porque escrevemos pouco verso solto e não lhe conhecemos (degenerados que estamos, em regeneração ainda assim, do nosso lirismo racial) o grande valor lírico. Ainda assim basta ler o esplêndido verso solto do sr. Lopes Vieira na parte {…} de O Encoberto para ver onde pode ser levada a música do verso solto português. Em língua alguma, a não ser em inglês, se pode obter estes efeitos extraordinários do verso solto:

(Encoberto. p. 40, dois primeiros versos)

ou

A janela tristíssima que deita

Para as bandas do sonho e dos amores.

O leitor vê facilmente como a música subtil e íntima destes dois trechos lhes é o corpo de que o seu lirismo supremo e {…} é a alma. A tendência imediata e natural em quem lê estes trechos de os ler quase que cantando-os indica quão líricos são. Toda a verdadeira, a grande poesia lírica produz esse efeito. Não é um erro, é uma inevitabilidade, o ler trechos como estes “with a prose mouth”, cantando-os. Sem intonação de música só o verso retórico se pode ler.

 

[105r]

 

4.

É que o verso retórico é realmente verso e música; o verso lírico é música-verso, ou verso-música, o verso e a música formando um corpo só. A alma do lírico fala música. Quem compreende, espontaneamente canta o que ele escreve.

 

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2803

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
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Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Proprietário
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Publicação parcial: Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 342-344.
Publicação integral: Pauly Ellen Bothe, Apreciações literárias de Fernando Pessoa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013, pp. 139-140.
Exposições
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