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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3, 19 - 103
Imagem
Victor Hugo.
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
Victor Hugo.
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[19 – 103]

 

Victor Hugo.

 

3

 

Mas essas constantes frases colossais de Victor Hugo? Essas frases realmente suprem o lirismo essencial, são o lirismo de superfície. O verdadeiro lírico dispensa grandes frases, belezas de metáforas, imagens sublimes; o mistério da sua arte está nisso mesmo. Canta com a alma e da alma, não com a inteligência, imaginativa ou não. É evidente que se, além do seu lirismo essencial, o grande lírico tiver a beleza de superfície também, será tanto maior. Só que essa beleza, por natureza de superfície, essas frases, essas metáforas, essas imagens, serão pelo grande lírico transmutadas para lirismo puro. O lirismo far-lhes-á perder o seu carácter superficial. São desta ordem as frases célebres, as imagens célebres de Shakespeare, essa segunda Natureza, mais espiritual do que a primeira.

Quem lê Victor Hugo, pensa que o homem que escreveu aqueles poemas pode ter sido um sincero, mas também pode não o ter sido. A sinceridade não é evidente. Eis o que não acontece com o verdadeiro lírico. Do patriotismo de Victor Hugo, ou da sua grande intensidade, um crítico pode, sem ser por isso coisa que se pareça com estúpido, duvidar. Mas ninguém pode duvidar do patriotismo de Camões. Veja-se, como é lírica através dos obstáculos da expressão mitológica e da grandiloquência este dístico final de uma estância de Camões: {…} Hipocrene. É

 

[103v]

 

que a grandiloquência lírica é diferente da grandiloquência retórica.

Os retóricos têm a grande vantagem de serem facilmente compreendidos por grandes e de não perderem muito com a tradução, porque as frases epigramáticas e retóricas passam com facilidade de língua para língua. O lírico não. É quase impossível traduzir poesia lírica; precisa um tradutor lírico também, mas perde sempre. A pior poesia é esta. Que fica dos sonetos de Shakespeare em uma tradução? O que fica das suas canções espalhadas pelos dramas? Quem poderá reproduzir por tradução uma poesia lírica de Shelley? Como traduzir bem um soneto de Antero, sem desaparecer, pelo menos, aquela música suave, triste e penetrante, íntima de lirismo, que é parte psicologicamente componente da grandeza lírica de Antero? E, para último e flagrantíssimo exemplo, tomemos o célebre soneto de Camões “Alma minha gentil…” Traduzido, nenhum estrangeiro compreende onde esteja a beleza daquela linguagem sem imagens, metáforas nem frases, directa e simples, quando é justamente aí que a beleza toda está, una com o movimento lírico contínuo e íntimo do ritmo inquebrado e dolorido. Um grande poeta retórico ou epigramático pode ser lido em tradução, sendo ela boa; quem não sabe a língua, escusa, havendo essa boa tradução, de por tão pouco a estudar. Mas quem quiser ler um poeta lírico não pode aceitar tradução alguma, por fiel que seja mesmo à alma do poeta. Tem de aprender a língua em que a poesia foi escrita. A tradução de um poeta lírico só serve para dar uma ideia do que ele escreveu e sobre o que escreveu; o leitor dela deve porém estar sempre premunido com uma certeza: a de que essa tradução por boa que seja é ao mesmo tempo incompleta e falsa.

 

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2797

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
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Dedicatário
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Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Proprietário
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Publicação parcial: Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 340-342.
Publicação integral: Pauly Ellen Bothe, Apreciações literárias de Fernando Pessoa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013, pp. 137-138.
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