Identificação
[19 – 102]
Victor Hugo.
Victor Hugo tem o grande defeito dos temperamentos retóricos: as ideias são nele momentâneas, são inspirações realmente e não propriamente ideias, tanto que, a maior parte das vezes, se apresentam aos sentidos do poeta, interiormente, e não ao pensamento. Por momentaneidade das ideias quero dizer que Victor Hugo, quando tem uma ideia brilhante e lúcida, não sabe tirar dela as conclusões lógicas, não sabe fazê-la o ponto de partida de uma associação de ideias[1], de um raciocínio qualquer. Como essa ideia se lhe apresenta sob a forma de uma imagem associa a outras imagens não casualmente a ideias, associa-a pelo que ela tem de imagem não pelo que ela tem de ideia. É o mal de todos os inspirados, de todos os “videntes”. São “parciais” mentalmente; não pensam, têm ideias. Assim Victor Hugo contradiz-se, justapõe ideias às vezes nitidamente insusceptíveis de justaposição lógica, outras vezes pontos de partida para raciocínios que inevitavelmente levam a conclusões antitéticas. Análise, não tem nenhuma; não analisa, compreende. Quem analisa {…} Quem compreende não se compreende a si. Quem compreende pura e simplesmente, compreende aos bocados. Victor Hugo pode ter a intuição de um todo, ou de uma parte; nunca a das partes[2] de um todo, nem da relação de um todo com as suas partes. O modo mental de Victor Hugo de acordo que é o vulgar, levado a um alto ponto; é por ser o vulgar que não pode ser o supremo.
Tem-se observado que Victor Hugo é um primitivo no psiquismo; que não pensa senão por imagens. Não é só isso. Pensa epigra-
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maticamente. O seu pensamento é do género cujo mais vulgar representante é o epigrama trivial. O seu pensar é uma coisa positiva formada de três coisas negativas: pensa por imagens (o contrário {…}), por epigramas (o contrário {…}) e {…} O seu pensamento mais abstracto é concreto; {…} O pensamento chamado epigramático, distingue-se por associar ideias de dois modos apenas: por semelhança e contraste. Ora isto indica um modo de pensar especial: por imagens.
Victor Hugo pensa por imagens. Ora aquele em cujo espírito tudo se apresenta como imagem, só de dois modos pode associar ideias: pela sua semelhança ou dessemelhança Com efeito uma imagem qualquer só, dentro da sua ordem mental, duas coisas pode evocar: imagens parecidas ou desparecidas.
[1] ideias /(lógica)\
[2] partes /(plural)\
Classificação
Dados Físicos
Dados de produção
Dados de conservação
Palavras chave
Documentação Associada
Publicação integral: Pauly Ellen Bothe, Apreciações literárias de Fernando Pessoa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013, pp. 136-137.