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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3, 19 - 100
Imagem
Victor Hugo…
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
Victor Hugo…
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[19 – 100]

 

Victor Hugo…

 

The difficulty however becomes sensibly greater when we pass from the mere attempt to classify Victor Hugo as a poet to trying to understand him as a mind. He is a philosophical poet – thus much is clear from the choice he makes of his themes, from the poems he rises most in, from the whole habitus and trend of his mind, which habitually treats philosophically the simplest themes. He meets a beggar and the beggar becomes beggar for him: he generalises him, distinctly a philosopher’s act. He takes the smallest, most everyday objects for his theme[1] and draws from them conclusions widely transcending their apparent scope – and this is philosophic work. But his mind is the reverse of philosophic. He thinks in images not in ideas – that is the first obstacle; and all philosophic thought, properly so called, is – it is hardly necessary to say so – the contrary of that. Every small thought is for him an image; every great thought a vision. He is perpetually at Patmos, too perpetually, if perpetuity admit the saying this. – But he is not only a visioner, he is, besides, confused in his thought, in his vision-thought. He merges accessory images into larger ones, confuses the vision itself by partial metaphors, which rise on the swell of line by line composition. – But this is not all. He is if not evidently, at least overapparently insincere in his philosophical theories: Ce que dit la bouche d’ombre overwhelms, but does not leave an impression of having been thought through feeling, of having pervaded qua theory the whole being of the poet. It gives us an impression analogous to that of Pope’s philosophy in the Essay on Man: that of having been poetically

 

[100v]

 

conceived not spiritually felt. – To refer to opposites, the contrary impression is given by Wordsworth in the great Ode or in the Tintern Abbey lines: here it seems that a sincere faith does make itself visible in poetry. It was on an intuition of this that Renan called Victor Hugo cymbale. This, however, is the product of the non-subjective character of his poetry. It seems to issue from outside the soul, somewhere from the circumference of the mind. What Lowell said of Poe can be applied to Victor Hugo, though in another sense: in Victor Hugo indeed the heart seems to be crushed out by the mind; not, however, as in Poe, by the evident pervadence of the intellect in the midst of {…}, but by some approximate and distant psychic fact – the almost-evident crushing out by the theme of the conviction of the theme.

In Victor Hugo the intellect is not great. But his sensibility is not great, either. The perusal of his poetry leaves in us the impression of a powerful and unfeeling mind. There is something exterior, gestural, in all he writes; the bitterest hatred seems calculated as his intensest philosophy seems circum-thought rather than thought. His private life helps in this: no act of his stamps him as possessed of anything resembling sensitiveness. On the contrary, his fundamental coarseness and {…} pierce through every cover he or others ever tried to put upon him. (Goethe wrote lyrical poems with greater show of feeling than Hugo – Yet Goethe was remarkably cold… This is of course dramatic power, in part. He may not feel really the state of mind he describes, but he can think himself into feeling it).

 

[100r]

 

He writes ever under the pseudonym of his own name. All he writes is in the person of a Victor Hugo who never was upon earth. He conceived an ideal self and wrote for it constantly.

 

 

[19 – 100]

 

Victor Hugo…

 

A dificuldade torna-se, contudo, sensivelmente maior quando passamos da mera tentativa de classificar Victor Hugo enquanto poeta para compreendê-lo como mente. Ele é um poeta filosófico – isto é claro pela escolha que faz dos seus temas, pelos poemas nos quais se eleva mais, por toda a disposição e direcção da sua mente, que habitualmente trata filosoficamente os temas mais simples. Ele encontra um mendigo e o mendigo torna-se o mendigo para ele: generaliza-o, distintamente um acto de um filósofo. Ele toma os objectos menores e mais quotidianos para o seu tema e, a partir deles, tira conclusões que transcendem vastamente a seu aparente âmbito – e isto é trabalho filosófico. Mas a sua mente é o reverso de filosófica. Ele pensa por imagens, não por ideias – isso é o primeiro obstáculo; e todo o pensamento filosófico, propriamente assim designado, é – torna-se desnecessário dizer – o contrário disso. Cada pequeno pensamento é para ele uma imagem; cada grande pensamento uma visão. Encontra-se perpetuamente em Patmos, demasiado perpetuamente, se a perpetuidade admite que digamos isto. – Mas ele não é apenas um visionário, ele é, para além disso, confuso no seu pensamento, no seu pensamento-visão. Ele mescla imagens acessórias em imagens maiores, confunde a própria visão por meio de metáforas parciais, que crescem na expansão da composição linha a linha. Mas isto não é tudo. Ele é, se não evidentemente, pelo menos exageradamente insincero nas suas teorias filosóficas: Ce que dit la bouche d’ombre é assombroso, mas não deixa uma impressão de ter sido pensado pela sensação, de ter atravessado enquanto teoria todo o ser do poeta. Dá-nos uma impressão análoga à filosofia de Pope no Essay on Man: de ter sido poeticamente

 

[100v]

 

concebido e não espiritualmente sentido. – Para referir um oposto, encontramos uma impressão contrária em Wordsworth na grande Ode ou nas linhas de Tintern Abbey: aqui parece que uma fé sincera não se torna visível em poesia. Foi por uma intuição disto que Renan chamou Victor Hugo de cymbale. Isto, contudo, é o produto de um carácter não subjectivo da sua poesia. Parece surgir de fora da alma, algures da circunferência da mente. O que Lowell disse de Poe pode ser aplicado a Victor Hugo, embora noutro sentido: em Victor Hugo, de faco, o coração parece ser esmagado pela mente; não, contudo, como em Poe, pela evidente prevalência do intelecto no meio de {…}, mas por algum facto psíquico aproximado ou distante – o quase evidente esmagamento do tema pela convicção do tema.

Em Victor Hugo o intelecto não é grande. Mas a sua sensibilidade também não é grande. A leitura da sua poesia deixa-nos a impressão de uma mente poderosa e insensível. Existe algo exterior, gestual, em tudo o que escreve; o mais amargo ódio parece calculado assim como a sua mais intensa filosofia parece ser pensada à margem mais do que pensada. A sua vida privada ajuda-nos nisto: nenhuma das suas acções cunha-o como possuído por algo parecido com sensibilidade. Pelo contrário, a sua grosseria fundamental e {…} perfura todas as camadas que ele e outros tentaram pôr sobre ele. (Goethe escreveu poemas líricos com maior demonstração de sentimento do que Victor Hugo – Contudo Goethe era extraordinariamente frio… Isto é claramente poder dramático, em parte. Ele pode não sentir realmente o estado de mente que descreve, mas consegue pensar-se a senti-lo).

 

[100r]

 

Ele escreve sempre sob o pseudónimo do seu próprio nome. Tudo o que escreve é na pessoa de um Victor Hugo que nunca existiu à face da terra. Ele concebeu um eu ideal e escreveu para ele constantemente. 

 

 

[1] theme /(examples)\

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2787

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
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Dedicatário
Destinatário
Idioma
Inglês

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Proprietário
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Publicação parcial: Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 334-336.
Publicação integral: Pauly Ellen Bothe, Apreciações literárias de Fernando Pessoa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013, pp. 144-145.
Exposições
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