Identificação
[19 – 95]
Estética.
Um exemplo especialmente precioso é o Lycidas de Milton. Disse-se, e bem, que esse poema é uma óptima prova para um pretendente a crítico. E é-o sobretudo porque serve de tal prova tanto para um crítico educado nos princípios chamados “clássicos”, como para um que se sirva de uma atitude mental adquirida no convívio da literatura dos românticos. Johnson, no ensaio sobre Milton, chegou a este ponto, e claudicou. Revelou a sua fraqueza crítica (tantas vezes, aliás, se não desmentida, pelo menos compensada com justas e lúcidas observações) quando, como crítico clássico, ou, melhor dizendo, da common sense school, argumentou contra o carácter factício, artificial, que é inerente àquela elegia pastoril. Outros críticos posteriormente se não houveram inteligentemente para com a elegia de Milton.
De uma simplicidade aparente, que se desfaz quando conseguimos perceber a base da erudição que a subjaz, esta elegia parece das coisas mais fáceis de escrever, mas o poeta que se abalançasse a competir com o elegista cedo perderia a ilusão da facilidade com que parece poder-se ter escrito Lycidas.
A composição do poema é perfeita, o seu desenvolvimento magnificentemente realizado. Nada parece haver que tenha esforço.
Já aqui se notam os característicos fundamentais do génio miltónico. Já aqui se vêem a majestade do estilo, o seu ritmo severo e sereno, o uso dos nomes próprios como estímulo, evocativo como rítmico, para a imaginação, o final, absolutamente calmo, como é de quem segue a grande tradição dos gregos..........
Comus e Arcades, como depois o próprio, esplendidamente majestoso, Samson Agonistes, pecam pelo que o autor peca como dramaturgo. A visão dramática é quase nula em Milton, a movimentação dramática nula de todo. É o épico-nato, que há de falhar no drama por não poder arcar com ele senão no que é substantivamente narrativa, nunca no que é narrativa vivida. E assim é que Samson Agonistes, onde a forma grega escolhida facilita a narrativização do drama, é muito superior – posta, mesmo, de parte a experiência adquirida por quem escrevera já dois poemas épicos – a Comus ou a Arcades, onde o que há de superior, aquele pouco de instinto dramático que há em toda a juventude de todo o poeta, não compensa a carência fundamental, de temperamento, de tal instinto.