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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3, 19 - 62
Imagem
Erostratus
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
Erostratus
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[19 – 62]

 

Erostratus.

 

It is ideas, as distinct from purposes, that make immortality – ideas as form and not as substance. In art everything is form, and everything includes ideas. It does not matter to the judgement of posterity whether a poem contains materialist or idealist notions; it matters whether these notions are high or not, agreeable in their form – even their mental and abstract form – or disagreeable.

 

This would seem to make propaganda not injurious to art, so long as there is art. It is indeed not essentially injurious, but, that it may not so be, it is necessary that, against his own purpose and intent, the artist forget the propaganda in the art. In art Propaganda is useful as a stimulus, unless as a purpose. It may be that the Divine Comedy is intended to be Catholic propaganda – a rather futile thing in such Catholic times; but Dante, when he wrote it, forgot all about the propaganda and wrote poetry. The propaganda does no harm to the poetry, for the simple reason that it did not get there. The result is that a third of Dante’s commentators consider the Divine Comedy heretical, and many of these as purposely so. If the poem can be considered as Catholic and anti-Catholic, the propaganda is certainly not very obvious[1]. The same applies to the kindred and different poem which stands beside the Divine Comedy in the sorting of the ages. Milton wrote it down as his purpose to justify the ways of God to man, and his poem contains two heroes — Satan, who revolts against God, and Adam whom God has punished. He has justified the ways of man to God. His poem is set up an epic for one form of Christianity, and the result is that the author was an Arian, his form of Christianity being the absence of Christianity. His vast learning and experience of the learnt has put everything into his Christian epic; the only thing left out was Christ. Has anyone ever felt Christian after reading Paradise Lost? The true propaganda is of the man of action who uses words only as action. And there is no Christian propaganda except that of a Christian life, nor any Christian genius but the saint. 

 

It may be said that, so long as propaganda is not serious, it is compatible with art. The sacred enthusiasm which lasts only one moment is the right soul with which to defend a noble or ignoble cause and leave it art. The most unpatriotic poem of a great poet is, says Swinburne in defending art for art’s sake, better than the most patriotic one of a bad one. That is true, and it is probably so because the unpatriotic poem was not sincere, and the poet had time to think more about the poetry than about the antipatriotism.

 

 

[19 – 62]

 

Heróstrato.

 

São as ideias, enquanto distintas dos propósitos, que fazem a imortalidade – ideias enquanto forma e não enquanto substância. Em arte tudo é forma e tudo inclui ideias. Não interessa para o juízo da posteridade se um poema contém noções materialistas ou idealistas; interessa se estas noções são elevadas ou não, agradáveis na sua forma – mesmo na sua forma mental e abstracta – ou desagradáveis.

 

Isto parece fazer com que a propaganda não seja prejudicial à arte, enquanto existir arte. De facto, não é essencialmente prejudicial, mas, para que assim não seja, é necessário que, contra o seu próprio propósito e intuito, o artista esqueça a propaganda na arte. Na arte a propaganda é útil como um estímulo, mas não como um propósito. Pode ser que a Divina Comédia tenha a intenção de fazer propaganda católica – algo bastante fútil nesses tempos católicos; mas Dante, quando a escreveu, esqueceu toda a propaganda e escreveu poesia. A propaganda não causa dano à poesia pela simples razão que não a atinge. O resultado é que um terço dos comentadores de Dante consideram a Divina Comédia herética e muitos destes propositadamente. Se o poema pode ser considerado como católico e anticatólico, a propaganda não é certamente muito óbvia. O mesmo se aplica ao poema aparentado e diferente que fica a par da Divina Comédia na classificação das épocas. Milton escreveu-o com o seu propósito de justificar as vias de Deus para o homem e o seu poema contém dois heróis – Satã que se revolta contra Deus e Adão a quem Deus pune. Ele justificou as vias do homem para Deus. O seu poema estabeleceu-se como um épico para uma forma de cristandade e o resultado é que o autor era um ariano, sendo a sua forma de cristandade a ausência de cristandade. A sua vasta aprendizagem e experiência do aprendido colocou tudo no seu épico cristão; a única coisa que ficou de fora foi Cristo. Alguma vez alguém se sentiu cristão após ler o Paraíso Perdido? A verdadeira propagada é a do homem de acção que usa palavras apenas enquanto acção. E não existe nenhuma propaganda cristã para além daquela de uma vida cristã, nem nenhum génio cristão a não ser o santo.

 

Pode dizer-se que, enquanto a propaganda não é séria, é compatível com a arte. O sagrado entusiasmo que dura apenas um momento é o estado de espírito correcto com o qual se defende uma nobre ou ignóbil causa e a deixa ser arte. O poema menos patriótico de um grande poeta é, diz Swinburne ao defender a arte pela arte, melhor do que o mais patriótico de um poeta mau. Isso é verdade e é provavelmente assim porque o poema não patriótico não era sincero e o poeta tinha tempo para pensar mais sobre a poesia do que sobre o antipatriotismo.

 

 

[1] very obvious /efficacious\

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2495

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
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Dedicatário
Destinatário
Idioma
Inglês

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Publicação parcial: Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 209-210.
Publicação integral: Fernando Pessoa, Heróstrato e a Busca da Imortalidade, edição de Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, pp. 172-174.
Exposições
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