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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3, 19 – 18-19
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Classicismo
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
Classicismo
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[19 – 18-19]

 

Classicismo.

 

O movimento da ode grega – estrofe, antístrofe, epodo –, não representa uma invenção dos gregos, mas uma descoberta sua. Não é um postulado da inteligência grega; é um axioma da inteligência humana, que aos gregos foi dado encontrar[1]. A sua constatação não é a de uma teoria artística, é a de um facto científico, de uma lei da inteligência.

Este triplo movimento não é só a lei da ode, o fundamento eterno[2] da poesia lírica; é, mais, a lei orgânica da disciplina mental, o regulamento eterno da criação psíquica. É a constatação superior do facto simples, de que todas as coisas têm um princípio, um meio e um fim, de que o princípio contém já em si o fim, e a indicação do meio; e de que o meio é o modo como o princípio se torna fim.

A tal ponto esta descoberta psicológica dos gregos – mais importante, por certo, que a subversão por Galileu da astronomia Ptolemaica – é uma lei do espírito, que a vemos reaparecer várias vezes, e sempre com o mesmo carácter de eterna, na história do pensamento. Outra coisa não é o triplo movimento – tese, antítese, síntese – da dialéctica de Platão. Outra coisa não é o pensamento substancial de Hegel – em que o ser em si (sein) se torna outro-ser (dasein) e volta a si (für sich sein). Outra base não tem, no seu exterior

 

[18v]

 

filosófico, a doutrina cristã da Trindade divina, que representa Deus como sendo aquele de quem tudo procede, como Pai, por quem tudo existe, como Filho, e para quem tudo existe como Espírito Santo; havendo assim, no entender da filosofia cristã, já uma previsão da doutrina rígida de Hegel na doutrina fluída de S. Paulo.

 

Perderemos[3] por completo o sentido do classicismo se não nos obrigamos a estudá-lo como deve ser estudado – na Grécia, onde nasceu, e segundo as leis do pensamento. Da Grécia para cá não tem havido senão aplicações tortuosas e incertas da Disciplina helénica.

Há, depois, que distinguir, no classicismo[4] |como em tudo mais|, entre a matéria e a forma. A matéria dá-a a sensibilidade, o temperamento especial, a visão individual do artista; a forma supõe a inteligência, geral na sua natureza, como a ciência, seu produto maximamente característico, é anti-particular de sua índole.

 

[19r]

 

O pseudo-classicismo francês – Boileau, Corneille, Racine – foi na cultura europeia o pior inimigo da tradição clássica, porque foi o seu desvirtuador, e, como disse Tennyson, “a mentira que é meia verdade é a pior das mentiras.” O “classicismo” francês é um classicismo de duas dimensões, um classicismo de silhueta e[5] de papel cortado. A disciplina helénica é aplicada, mas não há sensibilidade a que aplicá-la. O grego aceitava, a mãos plenas, a experiência integral da vida da emoção; e a essa experiência plena impunha a disciplina da sua inteligência[6]. O francês castra, limita, arredonda primeiro a experiência da vida, depois é que disciplina essa sensibilidade que castrou. |O classicismo que resulta é tão natural como a castidade num eunuco.| É como o escolar que, tendo que fazer uma soma de parcelas compostas de números inteiros e de quebrados, começasse, para chegar a uma soma perfeita, por apagar do quadro os quebrados. O francês não tem força mental para aceitar a experiência total da vida; tem que ter dieta na sensibilidade para a poder digerir com a inteligência.

 

[19v]

 

Quando, como no Romantismo, adquiriu a sensibilidade plena, o espírito francês revelou imediatamente a sua debilidade; perdeu o poder da disciplina, produziu as monstruosidades construtivas que são os poemas de Hugo, {…} de Musset e {…} de Lamartine. Só, e em alguns poemas, a alma triste de Vigny conseguiu filiar-se, em estilo Chenier, na velha[7], na grande tradição da Beleza.

O espírito francês é a apoteose do secundário.

 

 

|A França e a Alemanha são os dois países inimigos da verdadeira cultura clássica, que só logrou existir moderna na Itália e na Inglaterra.

 

Rabelais, Montaigne têm essa plenitude de vida, mas têm que deixar a disciplina …

Só em Flaubert {…}. Mais uma prova da secundariedade intelectual da França. Só atingiu o ideal clássico num género secundário – no romance. Nem na poesia épica, nem na dramática…

 

 

[1] encontrar /que encontrassem\

[2] eterno /perene\

[3] Perderemos /Curaremos\

[4] classicismo /arte grega\

[5] e /ou\

[6] inteligência /(abstracta)\

[7] velha /vera\

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2463

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
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Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 141-143.
Exposições
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