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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3, 18 – 50–51
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[Sobre poesia]
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Sobre poesia]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 18 – 50–51]

 

O primeiro grau da poesia lírica é aquele em que o poeta, de temperamento intenso e emotivo, exprime espontânea ou reflectidamente esse temperamento e essas emoções. É o tipo mais vulgar do poeta lírico; é também o de menos mérito, como tipo. A intensidade da emoção procede, em geral, da unidade do temperamento; e assim este tipo de poeta lírico é em geral monocórdio, e os seus poemas giram em torno de determinado número, em geral pequeno, de emoções. Por isso, neste género de poetas, é vulgar dizer-se, porque com razão se nota, que um é “um poeta do amor”, outro “um poeta da saudade”, um terceiro “um poeta da tristeza”.

 

O segundo grau da poesia lírica é aquele em que o poeta, por mais intelectual ou imaginativo, pode ser mesmo que só por mais culto, não tem já a simplicidade de emoções, ou a limitação delas, que distingue o poeta do primeiro grau. Este será também tipicamente um poeta lírico, no sentido vulgar do termo, mas já não será um poeta monocórdio. Os seus poemas abrangerão assuntos diversos, unificando-os todavia o temperamento e o estilo. Sendo variado nos tipos de emoção, não o será na maneira de sentir. Assim um Swinburne, tão monocórdio no temperamento e no estilo, pode contudo escrever com igual relevo um poema de amor, uma elegia mórbida, um poema revolucionário.

 

O terceiro grau da poesia lírica é aquele em que o poeta, ainda mais intelectual, começa a despersonalizar-se, a sentir, não já porque sente, mas porque pensa que sente; a sentir estados de alma, que realmente não tem, simplesmente porque os compreende. Estamos na antecâmara da poesia dramática, na sua essência íntima. O temperamento do poeta, seja qual for, está dissolvido pela inteligência. A sua obra será unificada só pelo estilo, último reduto da sua unidade espiritual, da sua coexistência consigo mesmo. Assim é Tennyson, escrevendo por igual Ulysses e The Lady of Shalott; assim, e mais, é Browning, escrevendo o que chamou “poemas dramáticos”, que não são dialogados, mas monólogos revelando almas diversas, com que o poeta não tem identidade, não a pretende ter e muitas vezes não a quer ter.

 

O quarto grau da poesia lírica é aquele, muito mais raro, em que o poeta, mais intelectual ainda mas igualmente imaginativo, entra em plena despersonalização. Não só sente, mas vive, os estados de alma que não tem directamente. Em grande número de casos, cairá na poesia dramática, propriamente dita, como fez Shakespeare, poeta substancialmente lírico erguido a dramático pelo espantoso grau de despersonalização que atingiu. Num ou noutro

 

[51r]

 

caso, continuará sendo, embora dramaticamente, poeta lírico. É esse o caso de Browning, etc (ut supra). ... Nem já o estilo define a unidade do homem: só o que no estilo há de intelectual a denota. Assim é em Shakespeare, em quem o relevo inesperado da frase, a subtileza e a complexidade do dizer, são a única coisa que aproxima o falar de Hamlet do do Rei Lear, o de Falstaff do de Lady Macbeth. E assim é Browning através dos Men and Women e dos Dramatic Poems.

 

Suponhamos, porém, que o poeta, evitando sempre a poesia dramática, externamente tal, avança ainda um passo na escala da despersonalização. Certos estados de alma, pensados e não sentidos, sentidos imaginativamente e por isso vividos, tenderão a definir para ele uma pessoa fictícia que os sentisse sinceramente.

 

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2362

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria
Genologia

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
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Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Proprietário
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 67-69.
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