Identificação
[BNP/E3, 18 – 46–47]
A questão da arte moral ou imoral – se a arte deve ser “art for art’s sake”, independentemente da moralidade, apesar de muito simples de solução, não tem deixado de ocupar desagradavelmente muito pensador, especialmente dos que desejam provar que a arte deve ser moral.
Em primeiro lugar demos inteira razão – é evidente que a têm – aos estetas, a arte tem, em si, por fim só a criação de beleza, à parte considerações de ser moral ou não. Se isto é assim quem manda pois à arte ser moral? A resposta é simples: a moral. Manda-o a moral porque a moral deve reger todos os actos da nossa vida e a arte é uma forma da nossa vida. Têm errado aqueles que têm querido achar uma razão, dentro da própria natureza da arte, para a arte ser moral. Não existe essa razão onde a procuraram. A arte, quâ arte, tem por fim apenas a beleza.
[46v]
A razão que a manda ser moral existe na moral, que é exterior à estética; existe na natureza humana.
A arte tem duas feições: a feição puramente artística e a feição social. A feição artística é criar a beleza – nada mais. Como a beleza é uma coisa independente do consenso humano (apesar de julgada por ele), como a beleza em si, digamos, é independente de opiniões, a arte na sua {…} social nenhum outro fim tem que a criação da beleza, sem outra consideração moral ou intelectual.
Mas a arte tem outra feição |inalienável à sua natureza[1]|. É a feição social. O artista é um homem e um artista. Como puramente artista a sua obra, já o dissemos, tem só por fim – criar a beleza, só uma responsabilidade – perante a Estética. Mas o artista vive em sociedade, publica as suas obras de arte. Vive em sociedade como artista e vive em sociedade como homem. Como artista o seu fim é um só: agradar. Como homem o seu fim é um só: obter glória.
[47r]
Vemos pois que o artista mostra-se-nos sob 3 feições: como puramente artista (não tendo outro fim que criar a beleza), como ao mesmo tempo artista e homem (querendo ver essa beleza que criou admirada), e puramente como homem (desejando a glória, no que é comum aos outros homens, geralmente e realmente em todos). O primeiro sentimento é puramente impessoal; o segundo é entre pessoal e impessoal – o desejar ver admirada uma obra de arte, conquanto sua, não é inteiramente egoísta; o terceiro é inteiramente pessoal.
|Cremos ter dado, nestas palavras, a solução definitiva do problema.|
Ora, segundo estas 3 feições do artista, está ele submetido a diversas leis. Como puramente artista nenhuma outra lei tem que não seguir a estética. Mas já buscando agradar se tem que submeter a outras leis; a natureza da humanidade é uma só, não se divide em estética, moral, intelectual, etc. Só a Estética personalizada é que poderia apreciar uma obra de arte sob o ponto de vista puramente estético. A humanidade não; o amor da beleza é fundamental na sua alma – é arte; mas não só isso reside nela, não só com isso critica e aprecia. Outros elementos en-
[47v]
tram inevitavelmente nessa apreciação. Um grande poema revolucionário agradará mais a um republicano do que a um conservador, admitindo em ambos, quanto a qualidades críticas, a mesma dose de estética.
Os homens não apreciam só esteticamente, apreciam com toda a sua constituição moral. Por isso coisas grosseiras impuras, {…} lhes desagradam, não à parte estética neles, mas à parte moral que não podem mandar embora de si.
[1] natureza /maneira\