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Medium

Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3, 18 – 38–41
Imagem
Balança de Minerva
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
Balança de Minerva
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 18 – 38–41]

 

Balança de Minerva.

Aferição.

 

Destina-se esta secção à crítica dos maus livros e especialmente à crítica daqueles maus livros que toda a gente considera bons. O livro, consagrado por qualidades que não tem, do homem consagrado por qualidades com que outros o pintaram; o livro daquele que, tendo criado fama, se deitou a fingir que dormia; o livro do que entrou no palácio das Musas pela janela ou colheu a maçã da sabedoria com o auxílio dum escadote – tudo isto se pesará na Balança de Minerva.

Claro que a razão do título Balança de Minerva é a circunstância de Minerva não ter balança nenhuma. Vagamente absurdo, leva este título em si a definição dum modo-de-ver que escolhe o onde opor-se a todos para ter razão inutilmente. A consciência do esforço inútil e do trabalho perdido ainda é uma das grandes emoções estéticas que

 

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restam a quem se preocupa com as coisas que ainda restam.

A crítica, de resto, é apenas a forma suprema e artística da maledicência. É preferível que seja justa, mas não é absolutamente necessário que o seja. A injustiça, aliás, é a justiça dos fortes. No fundo isto é tudo bondade. Dizer mal dum livro é o único modo de dizer bem dele. Se é mau, faz-se justiça; se é bom põe-no na evidência que os livros bons merecem. E, no fim de tudo, nada disto tem importância, porque os livros bons leva-os a História ao colo para casa. E quanto aos maus – criticar é apenas abrir-lhes a cova e rezar-lhes em cima da última descida o latim que falava Juvenal. Às vezes é com sete pós de elogios que esta justiça mortal melhor se sela.

A justificação última da crítica assim bem-entendida é o satisfazer a função natural de desdenhar – função tão natural como a de comer e que é de boa higiene de espírito satisfazer cuidadosamente. Quem

 

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sente vontade de desdenhar não deve atar-se à cobardia de julgar isso feio, nem vender-se à infâmia de ir desdenhar o que os outros desdenham, abdicando assim da sua individualidade, gregário.

As horas passam devagar e pesa em tédio a consciência delas. Buscar o conforto no desprezo é não só o nosso dever para com o desprezo, mas também o nosso dever para com nós-próprios. Espetar alfinetes na alma alheia, dispondo esses alfinetes em desenhos que aprazam à nossa atenção futilmente concentrada, para que o nosso tédio se vá esvaindo, – eis um passatempo deliciosamente de crítico, e ao qual juramos fidelidade.

Traduzindo isto para a metáfora que dá cor a esta secção, pretendemos dar a entender que o nosso uso da Balança de Minerva limitar-se-á, na maioria dos casos, a dar

 

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com ela – pesos e tudo – na cabeça do criticado. Isso, de resto, não deve preocupar ninguém. Quem tiver de ser imortal pode sê-lo mesmo com a cabeça partida. O ser imortal é a única das preocupações anti-sociais que não faz mal a ninguém. Visto que o futuro raras vezes dá por ela, não é demais que o presente algumas vezes dê nela.

 

Fernando Pessoa.

 

Notas de edição

Versão manuscrita do testemunho impresso publicado por Fernando Pessoa com o título: «Balança de Minerva – Aferição», in Teatro - Jornal d’Arte, Ano I, nº 1, Lisboa, 22 de Novembro de 1913.

Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2355

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria
Crítica

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

Palavras chave

Locais
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Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, p. 42.
Exposições
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