Identificação
[BNP/E3, 18 – 28–29]
A INFLUÊNCIA DA ENGENHARIA NAS ARTES RACIONAIS
(Apontamentos para uma estética não-aristotélica)
Quanto piu un’ arte porta seco fatica
di corpo, tanto piu è vile.
Leonardo da Vinci.
I
De há muito sustento a teoria que a civilização é a criação de estímulos em excesso constantemente progressivo sobre a nossa capacidade de reacção a eles. A civilização é pois a tendência para a morte pelo desequilíbrio. A coisa mais útil que a ficção real chamada um povo pode fazer é resistir a civilizar-se por processos de civilização. Existir é não se deixar matar; ser civilizado é inventar reacções para os estímulos que excedem já a reacção possível, isto é, inventar reacções artificiais, quer dizer civilizadas, contra a própria civilização.
Tudo que é vivo subsiste pelo equilíbrio de duas forças – a de integração e a de desintegração, o anabolismo e o catabolismo dos fisiologistas. A que desintegra faz viver e morrer; a que integra faz morrer e viver. Uma insiste, e outra subsiste. Até à civilização[1], e na ordem biótica, e mesmo abaixo da biótica, a força que insiste é que cria, porque destrói, e destruir é transformar; a força que subsiste é que deixa criar, porque não deixa destruir, e destruir é transformar para outro. Na ordem acima da biótica – isto é, nas sociedades – inverte-se a dinâmica dos factores agentes: a tendência para subsistir é que mata, a tendência para não subsistir é que faz viver. Isto porque a sociedade é um corpo naturalmente artificial, e vive por isso segundo leis que são contrárias às leis naturais.
O que faz subsistir nas sociedades? A tradição, a continuidade, a tendência para permanecer, isto é, para não viver. E a tradição, a tendência para permanecer, tem três formas – o apego ao passado, que é a tradição vulgar; o apego ao presente, que é a moda; e o apego ao futuro, que é o ideal social em que se confia. O que faz viver, isto é, não subsistir, nas sociedades? A anti-tradição, a tendência para não permanecer. E a tendência para não permanecer tem só uma forma – o apego ao não-passado, ao não-presente, e ao não-futuro. Isto quer dizer o apego ao abstracto e ao ideal em que não se confia. Por isso a força que conserva as sociedades é a inteligência de abstracção e imaginação.
A inteligência de abstracção e imaginação tem duas[2] formas – a matemática e a crítica. A matemática abstrai de toda a experiência, excepto da essência da experiência; o único critério de verdadeira objectividade que temos é o critério
[29r]
de matematização. A crítica abstrai de toda a experiência excepto de ela ser nossa; o único critério de verdadeira subjectividade que temos é o da confrontação, não das nossas impressões com as coisas, mas das coisas com as nossas impressões.
Deve compreender-se que entendo por crítica toda a actividade crítica: a crítica, no sentido em que emprego a palavra, inclui toda a forma de actividade que ou não aceita, ou quer substituir a objectividade da experiência. Assim, a arte é uma forma de crítica, porque fazer arte é confessar que a vida ou não presta, ou não chega. Assim, também, a parte por assim dizer dogmática da religião (não a sua parte social nem a sua parte metafísica) é uma forma de crítica, porque crer numa coisa sem ser com uma razão, embora aparente (como acontece na metafísica, que procura explicar), não sendo essa coisa um elemento da experiência (objectiva), é querer substituir essa experiência.........
A crítica é, em suma, todo o artifício que é feito com inteligência, e sem fim social nenhum. Desde que sirva um ideal em vez de uma impressão, a crítica é falsa como crítica, não é crítica, em suma, mas só opinião.
Crítica.
Arte
religião
política
[1] civilização /(sociedade)\
[2] três /duas\