Imprimir

Medium

Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3, 18 – 19
Imagem
Regresso dos Deuses
PDF
Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
Regresso dos Deuses
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 18 – 19]

 

Regresso dos Deuses.

 

Estética.

 

Objectar-se-á, sem dúvida, que, havendo sentimentos que são vagos, pensamentos que são confusos, impulsos do ânimo[1] que, de confundidos com outros, se nos não apresentam claros, é abusivo exigir do artista que os delineie (?) como nítidos, como qualquer coisa que eles não são.

A resposta a esta observação está na pergunta, se esses estados do ânimo são legitimamente representáveis em arte? O artista subjectivo parte do princípio que o fim da sua arte é exprimir as suas próprias emoções. Critério é esse que o artista objectivo não aceita, e com razão absoluta o não aceita, porque a arte objectiva é que é a arte, por isso que é uma coisa realizada, que passa para fora do artista, e não fica nele, como a emoção que a produz.

De feito, perguntemos, porque é um pensamento confuso, porque é um sentimento vago, porque razão não se apresenta nítido um impulso volitivo? Para todos a razão é uma: é que o pensamento se não pôs em contacto com a realidade, é que o sentimento se não comparou com a sua realização, é que a vontade se não mediu com o exterior. (xxxxxxxxxxx)

 

Uma obra de arte é um objecto exterior; obedece portanto às leis a que estão subordinados os objectos exteriores, no que objectos exteriores.

 

O artista não exprime as suas emoções. O seu mister não é esse. Exprime, das suas emoções, aquelas que são comuns aos outros homens. Falando paradoxalmente, exprime apenas aquelas suas emoções que são dos outros. Com as emoções que lhe são próprias, a humanidade não tem nada. Se um erro da minha visão me faz ver azul a cor das folhas, que interesse há em comunicar isso aos outros? Para que eles vejam azul a cor das folhas? Não é possível, porque é falso. Para que eles saibam que eu vejo azuis as folhas? Não é preciso porque não tem importância nenhuma. O mais que o fenómeno é é curioso, e o curioso é senti-lo; senti-lo sinto-o eu, não os outros. O que há de realmente estético, pois, nas sensações estranhas, é que cada um as guarde para si, gozando-as em silêncio, se para tal lhe dá o gozo.

 

[19v]

 

Assim, o primeiro princípio da arte é a generalidade. A sensação expressa pelo artista deve ser tal que possa ser sentida por todos os homens por quem possa ser compreendida. (xxxxxx)

 

O segundo princípio da arte é a universalidade. O artista deve exprimir, não só o que é de todos os homens, mas também o que é de todos os tempos. O subjectivismo cristista, além do erro pessoalista, produziu essoutro erro, a preocupação de interpretar a época. A frase de Goethe, bastas vezes citada sobre o assunto, é de mestre; com efeito, um homem de génio é da sua época só pelos seus defeitos. A nossa época deduz-nos da humanidade. Como o artista deve procurar erguer-se acima da sua personalidade, deve procurar levantar-se fora da sua época.

 

O terceiro princípio da arte é, finalmente, a limitação. Isto é, a cada arte corresponde um modo de expressão, sendo o da música diferente de o da literatura, e o da literatura diverso do da escultura, este do da pintura, e assim com todas as artes. Erro crasso, mas recentemente vulgar, é o de confundir os limites das artes. Foi cometido por uma época tão aparentemente ortodoxa como o século dezassete dos franceses. Os poetas como Corneille e Racine aplicaram à poesia a secura de expressão, a nitidez de raciocínio, que são características da prosa. Racine errou como errou Mallarmé. Por um errar por fazer da poesia prosa, e outro por fazer da poesia música, não é menor o erro de um do que o de outro.

 

Para os sentimentos vagos, que não comportam definição, existe uma arte – a música, cujo fim é sugerir sem determinar. Para os sentimentos perfeitamente definidos, de tal modo que é difícil a emoção neles, existe a prosa. Para os sentimentos que são harmoniosos e fluidos, existe a poesia. Em uma época sã e robusta, um Verlaine ou um Mallarmé escreveriam a música que nasceram para escrever. Não teriam tido nunca a tendência para dizer em palavras aquilo que a palavra não comporta. Pergunto ao maior entusiasta dos simbolistas franceses se Mallarmé os comoveu tanto como uma melodia vulgar, se a inexpressão de Verlaine chegou alguma vez à inexpressão legítima de uma valsa simples. Não chegou, e se me responderem que preferem para esse fim Verlaine e Mallarmé à música, o que me estão dizendo é que preferem a literatura como música à música. Estão me dizendo uma coisa que não tem sentido fora de lamentá-los.

 

[1] ânimo /(espírito)\

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2340

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria
Estética

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

Palavras chave

Locais
Palavras chave
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 18-21.
Exposições
Itens relacionados
Bloco de notas