Identificação
[BNP/E3, 143 – 60-61]
Balança de Minerva.
Entre as várias coisas que copiamos do estrangeiro – o que lá mau com aspecto de bom, porque é isso que é mais fácil de copiar – uma das coisas mais espertamente copiadas com toda a ociosidade da nossa inconsciência é o conceito falso e antigo de que o canto constitui uma arte – uma arte susceptível de evolução. Ao suceder que resta ao canto um único estádio evolutivo – evoluir para deixar de existir.
Porque, no futuro lógico e desejável das artes, o canto, e tudo quanto opera ou {…} se baseie ou relacione com ele, está condenado. Essa arte primitiva e selvagem, ao ser aperfeiçoada através não sei que óbvio número de escolas e sistemas, terá possivelmente contribuído para perfeita – mas não evoluiria para fora de selvagem e primitiva, porque em sua substância íntima de cantar é primitiva e selvagem.
{…} para uma heterogeneidade
[60v]
puramente sinfónica. Serão obras sinfónicas em […] quartos. E o teatro […] será lírico no sentido classificativo que os retóricos são à palavra, lírico de poeta lírico, obras líricas como o Fausto de Goethe, o Prometeu Liberto de Shelley, a Pátria de Guerra Junqueiro. Essas obras contêm a música já, no seu tom de poéticas e irreais. Não parecia que um compositor qualquer os venha estragar com boa ou má música.
E o canto ficará uma arte de salão, para a estupidez das senhoras e a idiotice dos cavalheiros que fazem arte nas salas. Fique aí e daí não saia.
E oxalá que o poeta, assim como proximamente julgará aquele super-Camões que já vive aí no trabalho de anunciar, produza o verso que tenha a compulsão nítida de que deve a sua lírica e a sua arte, e escreve apenas um libreto, consciente de se bastar como músico.
[61r]
Toda a arte, para poder ser perfeita e complexa, tem de ser em sua essência, simples. O canto é duas coisas – música e poesia (ou poema); é pois uma música presumidamente complexa. Para obter um efeito vale-se do método primitivo de juntar duas artes, em vez de se cingir a uma e intensificá-la. O horrível e impensável crime de fazer estátuas primitivas está em perfeita análise com o crime estético de cantar ou gostar do canto, porque num caso o escultor conforma, no pintor de altos efeitos pela pintura, que não podia obtê-los pela escultura apenas; como na verdade o músico ou o poeta se confessa impotente para dar à sua música a expressão sumptuosa para que ela veja os seus próprios problemas, ou à sua poesia o ritmo verbal que enquista por desnecessário, o poético auxilia-se da música. É provável que a poesia mais precisa que há na verdade – a de Shelley – é eternizada nos seus ritmos pela música, senão, consoante julgamos necessário, dizer musicável de tudo.
A evolução faz-se por diferentes gerações. No futuro o poeta será poeta, e o músico músico. Nenhum irá pedir à arte da arte que lhe seja muletas a andar para a coxeza a pequena estatura da sua inspiração. As óperas serão {…}
[61v]
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Hoje, a única coisa que um artista pode ser em relação ao teatro é incendiário dele. E, não tendo essa voz, deve ao menos o substituir seu desdém ao facho redentor.[1]
[1] Em dívida 4.000
Rec.o Nov.o 6.700 – 10:700
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Cartas circs 7.200
Outras cartas 4.700 – 11:900
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Dezº
Recebo – 1.000 – 1000
Cartas fas – 1.000 – 1600.
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