Identificação
[BNP/E3, 143 – 38]
Balança de Minerva.
Aferição
Destina-se esta secção à crítica dos maus livros, e especialmente à crítica de aqueles maus livros que toda a gente considera bons. O livro, consagrado por qualidades que não tem, do homem consagrado por qualidades que nunca teve; o livro daquele que tendo criado fama, se deitou a dormir[1]; o livro do que entrou no palácio das musas pela janela ou colheu a maçã da sabedoria com o uso de um escadote tudo isto se pesará na Balança de Minerva.
Claro que a razão do título Balança de Minerva – além de (que) é[2] costume pôr títulos – é a circunstância de Minerva não ter balança nenhuma. Vagamente absurdo, leva este título em si a definição de um modo-de-ver que escolhe o onde opor-se a todos para ter razão inutilmente. A consciência do esforço inútil e do trabalho perdido ainda é uma das grandes emoções estéticas que restam a quem se preocupa com as coisas que ainda restam[3].
Logo que se não tome nada a sério e se
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olhe com desdém para todos os esforços, incluindo o nosso esforço em desdenhar, salvamo-nos do naufrágio, seguindo o clássico exemplo daquele marinheiro que se salvou por não ter embarcado.
A única justificação da crítica assim bem-entendida é o satisfazer a função natural de desdenhar — função tão natural como a de comer e que exige que cuidadosamente e maternalmente[4] a satisfaçamos. Quem sente |a| vontade de desdenhar |qualquer coisa|, não deve atar-se à cobardia de julgar isso feio, nem vender-se à infâmia de ir desdenhar o que os outros desdenham, abdicando assim da sua individualidade, gregário.
As horas passam devagar e pesa em tédio a consciência delas. Se não aligeirarmos aquilo a que chamamos viver com o ferir outros, ideia a ideia, pouco a pouco da nossa prosa, {…} si vis me flere, dolendum est ipsi tibi.
Como eu vivia feliz se tivesse a infelicidade dos outros.
[1] a dormir /a fingir que dormia\
[2] de (que) é /de ser\
[3] ainda /(nos)\ restam
[4] m/p\aternalmente