Identificação
[BNP/E3, 143 – 18-19]
x Balança de Minerva. x
Aferição.
Falar é o modo mais simples de nos tornarmos desconhecidos. E esse modo imoral e hipócrita de falar a que se chama escrever, mais complexamente nos vela aos outros e àquela espécie de outros a que a nossa inconsciência chama nós-próprios. Por isso, se escrever, no sentido de escrever para dizer qualquer coisa é acto que tem um cunho de mentira e de vício, criticar as coisas escritas não deixa de ter um correspondente aspecto de curiosidade mórbida ou de futilidade perversa.
Propriamente, o único crítico de arte deve ser o psiquiatra. Porque, ainda que os psiquiatras sejam tão ignorantes como todos os outros homens daquilo a que eles chamam ciência, [a psiquiatria ainda é a mais cheia de nomenclatura]. Todo o resto – a chamada crítica literária – é simplesmente o aproveitar para escrever a circunstância doentia de outros terem escrito. Só uma maledicência tenaz {…}
Claro que a futilidade e a inutilidade da crítica são a sua justificação perante a ciência. A ciência só ama o fútil: primeiro altar da metafísica, que é a preocupação das coisas sérias da vida. E até ante a própria metafísica a crítica não é injustificada. Porque, dado que a crítica seja inútil e estéril, não é absolutamente.
[18v]
E quando a crítica é escrita também, requinta-a para repugnante a sua imoralidade essencial. Pega-se-lhe a doença do criticado – o facto de existir escrita.
[19r]
{…} certo que o sistema do universo o não seja.
Preferiríamos, talvez, que isto não fosse. Quereríamos que não houvesse justificação para a crítica, para mais confiadamente a podermos fazer só vale a pena praticar o injustificável: de superior a isso aliás há só o justificá-lo.
Chamámos a esta secção Balança de Minerva porque é convenção estabelecida que se deva dar nomes às coisas, mesmo aos artigos de crítica. Demos a este artigo o subtítulo de Aferição porque, indo na esteira do assunto, assim concebemos claro que a aferição mostra que a pessoa está[1] falando|; mas como a balança também o está, assim como os artigos a pesam – fica tudo numa igualdade
Um † que se fazia sorridente, um interesse petulante oco como a vida – é a única atitude que ao indicar que tem a petulância de se julgar imprecisa como trazer na lapela composta tão pouco o que se diz duvidoso que se fez que {…}
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Desta lógica atitude para com a crítica, nasce, como um facto, a correspondente atitude para com o criticado {…}
[19v]
{…} sempre tem mais direito do que outro a fingir que tratam de observação. Se os não colasse bem no chão do erro a circunstância de serem críticos também, {…}
O ser imortal é a única das preocupações anti-sociais que não faz mal a ninguém. Raras vezes o futuro dá por ela.
E em grande número de casos, o nosso uso da balança crítica resumir-se-á em dar com ela – pesos e tudo – na cabeça do criticado. Isso, de resto, não deve preocupar ninguém. Quem tiver de ser imortal pode sê-lo mesmo com a cabeça partida.
[1] está/ava\