Identificação
[BNP/E3, 142 – 2-4]
O Aviador
Relatos recentes, abundantes e {…}, dão por fim àquelas pessoas de cultura, que, por tais serem, nunca puderam, tomaram a sério as pretensões literárias, do célebre artesão literário[1], como ocasião decente de o admirar. Porque é arte que a audácia, o relevo puramente aéreo do seu ruído, {…} deram enfim ao pseudo-quase-Dante italiano droit de cité na literatura europeia. Não sei se se pode entrar na história literária pela aviação, mas é mais seguro entrar aí pela aviação do que pelo livro de D’Annunzio.
Não é só o plágio; é, muitas vezes, o mau gosto de onde vai plagiar. Compreende-se por plágio o mal-entendido, plagiar o mau.
O ignóbil charlatão tinha ido plagiar {…} das estopadas rítmicas do decadente inglês.
E, depois disso, o combate de argumentos de subtileza, a luta do rigor, opressivo, tão mansamente cáustico, do livro do Prof. Bovet sobre “Lírica, Epopeia, Drama” deram a medida exacta de quanto valia este contrabandista da alta literatura.
O sargentão da superioridade vinha do caminho por que lhe conhecia as fontes[2]. Um país que usa Teófilo Braga, sabe de que estepe estes intrujões são feitos. Um dos grandes actos de D’Annunzio é este homem ser tudo como poeta imoral italiano.
Uma sensação desagradável do já-lido toma-me de repente. Procurei, pelo tom do trecho, determinar o autor verdadeiro. Isso custou muito. Tenta a versificação pelo tamanho. Ao verter em inglês as palavras, criou-se logo o original. É, palavra a palavra, de † de † e da minha.
[2v]
Há poetas, Gray, por exemplo – cuja obra é abundantemente {…} derivada - pois Gray tinha o cérebro injuriado. Mas D’Annunzio não tem essa desculpa do clássico. Os itálicos são só deles e o cruzamento não existe.
Uma certa agudeza da sensação plagiária, uma vontade quente de ser algo na gloria, uma sensualidade {…}
Mais qualidade tem Byron, mais valor pessoal tem ainda, o seu valor como autor para a literatura inglesa.
A gente nunca sabia quem é que admirava quando gostava das frases de D’Annunzio. Víamos umas frases belas, uns trechos grandiosos e conhecíamo-lo no seu agir. Isso é de Péladan, dizia ele. Outro golpe de castração artística mas solene. Repeti-lo-ei eu outra vez. Isso é de Maupassant, suspirava. Chegamos por fim à conclusão de que D’Annunzio só era o {…}
Quando aguardávamos de D’Annunzio, estávamos devedores a †; quando lhe batíamos palmas, estávamos aplaudindo Péladan.
Não é um poeta: é uma sala de sermão das frases dos outros. Não é o maior poeta italiano depois de Dante. É o mais plagiário italiano depois… depois… depois… de qualquer plagiário sério que por acaso ainda apareça.
[3r]
Este homem nunca foi um artista. Foi um caçador de celebridade que se serviu do verso e do romance como armadilhas. |*Decida qual é o deplorável nível intelectual da cultura europeia, e como, mesmo em todos os tempos, o pensariam pioneiros, que já condensa Delille, condensa qualquer novidade, logo que não seja nova, nada admira no seu triunfo europeu.|
Descobri por fim um título legítimo à celebridade. Voa inartisticamente. Voa com uma célebre ousadia, e[3] uma perene juventude da ousadia. Voa à romântica, com lançamentos mistos de perfeitos de relevo à italiana, e de † da † à construção do género pioneiro. Mas em verdade[4] voa brilhante. Aí o seu conseguimento não se discute, a sua poesia é intransigível.
Que eu sinto, eternamente audaz e eternamente jovem, empregando ao futurismo das alturas a atitude extraordinária que o deste nosso camarada! Que voe voador, que voe perene, que voe pós geométrico de veleidade aérea.
Mas voe só, não erre a sua vocação, não exceda o seu âmbito. Voe, mas não escreva.
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Não tem só pés de barro este decidido do frenesi intencional; não tem só barro na sua composição interna.
[3v]
Ali a sua audácia é empregada sem enganar. Ali o que faz não admite dúvida, não é, flagrantemente, susceptível de plágio: o vôo dele é dele, e, flagrantemente, não pode ser senão assim.
{…} e, inquietos e desprovidos, nunca saberíamos o que legitimamente admirar {…}
Esse abalo da celebridade alheia, {…}
As suas boas qualidades – a audácia, a ambição, {…} – encontram ali no ar o lugar lírico onde se exerçam – fonte e símbolo ao mesmo tempo do valor verdadeiro da sua verdadeira personalidade. Ali não pode plagiar, e o seu vício dominante cessa; ali não voa em pessoa de outro, o que é bom por isso no querer, o que é apto para ele. Ali está colocado e certo. E que justo que só esteja colocando, onde nunca está pondo; e certo de onde pode cair a todo o momento {…}
Este homem nasceu para aviador. Enquanto não voou, escreveu; enquanto se lê o que ele escreveu, vê-se que nasceu para aviador.
Ele nunca busca a imortalidade como os grandes artistas, por que o aere perennius de Horácio é a designação que provém para o |estofo| do seu monumento. Deseja sempre só a fama; o seu espírito plebe e fêmea não é feito para compreender a haura de artista, ou a abnegação de poeta; vive na maturidade feminina e plebeia do espírito, e só vê a fama, onde ausente da imortalidade, e o aplauso, {…}
Só buscou a fama em o seu cortejo de aplauso visto, da celebridade quotidiana, de tudo quanto o momento dá a quem o escreve, e o Povo a que o sabuja, que melhor não é ser aviador que poeta? Um biltre vivo, segue só, na sua casa porque ante o espírito dos pequenos e a memória dos filhos, em verdade por †? ††, que consigo ler. Mas esse sabe que sempre pode falar-bem, mas que a eternidade é sua.
[4r]
Todo o cidadão de Atenas, educado portanto para revelar, em toda a obra artística, como primordial e supremo o próprio da construção e da estrutura, imediatamente o riscava do número dos grandes. Ali não havia fragmento ou indício das qualidades menores, das qualidades clássicas, do poeta; nobre condenação disciplinada do tema, nobre noção realizada do conjunto, nenhuma obediência aos preceitos eternos da composição {…} da obra-total.
Não só não podia, pois, pertencer à categoria suprema dos grandes, onde Homero e Milton são os estados supremos, mas nem sequer era das criações menores dessa – os poetas como Horácio, ou inglês como Keats, que, no lírico, onde aqueles no épico, ficam estruturados e centrados.
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Excelso, assim, por ordem do Destino, do céu supremo onde seria, dos antigos Homero e Virgílio da nossa civilização, ou antes Milton e Dante, e de onde estes, como Tasso e Camões estrelas menores não são ausentes, restava que ele pudesse perdurar, por um excesso estrondeante de qualidades populares secundárias e particulares[5] de artista, [não, como Shakespeare, que tal exerce de mais dessas qualidades secundárias que foi difícil excluí-lo da concessão como o supremo,] que escreve, mas, como Hugo ou Shelley, pela orgia imaginativa que, envolva apenas periférica compreensão cénica pelo excesso e a contrário o vazio central da inteligência. Mas aqui D’Annunzio resume a literatura numa surpresa desagradabilíssima.
Vemos completos, parágrafos inteiros, frases inteiras – tudo era plagiado. E o |chafurdado|[6] italiano deixa logo de parte da segunda[7] ordem, que parecia poder ser, a incerteza do porvir, que com certeza era.
Não é um poeta; é outros poetas. A sua obra é um dicionário de citações, sem as indicações da origem.
[1] artesão literário /Gabriele d’Annunzio\
[2] fontes /caminhos\
[3] e /com\
[4] em verdade /o facto é que\
[5] particulares /perplexas\
[6] |chafurdado|/deiro\
[7] segunda /terceira\