Identificação
[BNP/E3, 14E – 40]
Cesário Verde.
Houve em Portugal, no século dezanove, três poetas, e três somente, a quem legitimamente compete a designação de mestres. São eles por ordem de idades, Antero de Quental, Cesário Verde e Camilo Pessanha. Com a excepção de Antero, todavia dubitativamente aceite e extremamente combatido, coube a todos três a sorte normal dos mestres – a incompreensão em vida, nos mesmos (como em Byron, derivando de Wordsworth e combatendo-o) sobre quem exerceram influência.
A celebridade raras vezes acolhe os génios em vida, salvo se a vida é longa, e lhes chega no fim dela. Quase nunca acolhe aqueles génios especiais, em quem o dom da criação se junta ao da novidade; que não sintetizam, como Milton, a experiência poética anterior, mas estabelecem, como Shakespeare, um novo aspecto de poesia. Assim, e nos exemplos comparativamente citados, ao passo que Milton, embora sem pequenez para ser aceite pelo vulgo, foi de seu tempo tido como grande com a grandeza que tinha, Shakespeare não foi apreciado pelos contemporâneos senão como cómico.
Com Antero de Quental se fundou entre nós a poesia metafísica, até ali não só ausente, mas organicamente ausente, da nossa literatura. Com Cesário Verde se fundou entre nós a poesia objectiva, igualmente ignorada entre nós. Com Camilo Pessanha a poesia do vago e do impressivo tomou forma portuguesa. Qualquer dos três, porque qualquer é um homem de génio, é grande não só adentro de Portugal, mas em absoluto.
Os restantes poetas tiveram o seu tempo, e quem tem o seu tempo não pode ter os outros. O que os deuses dão, vendem-no, diziam os gregos. Junqueiro morreu logo que morreu. O mesmo Pascoaes está moribundo. Não que destes poetas mais célebres que imortais não fique nada. Ficam poemas; a obra, porém, não fica.
Este fenómeno tem uma explicação, porque tudo tem uma explicação. A celebridade consiste numa adaptação ao meio; a imortalidade numa adaptação a todos os meios. Quando se diz que a posteridade começa na fronteira, assim, em certo modo se entende.