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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP/E3, 14E – 35-36
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Baudelaire and Cesário.
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
Baudelaire and Cesário.
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 14E – 35-36]

 

Baudelaire and Cesário.

 

In his description Baudelaire is never (as is, of course, natural with poets) perfectly objective. When he describes, however coldly in appearance, some sentiment, some shadow of sentiment is mingled in his description – latent disgust, latent |sorrow|, latent excitement for beauty and[1] for strangeness. Not so in Cesário. He is completely objective, as no poet has been before him; except in an odd line or other; Cesário is an objective poet always; it is his peculiarity, his style, the essence of his individuality as poet. When he describes he seldom, if ever, mingles a sentiment with his description, in the description, we mean, for he is not to follow say 2 lines of description with 2 of a sentiment, making an abrupt transition from objective to subjective or vice-versa (for he sometimes does the contrary). But in the lines that describe, that contain the description, Cesário does nothing but describe.

 

[35v]

 

Not even does he aim at giving a sentiment of the beauty of what he describes – no, nor of the ugliness of it, which, going by contraries, would signify the same thing, psychologically; he aims but at describing in a few words a scene, so as to make it vivid and correctly given. No more. Yet, as it is impossible that anything at all in the world (at least, in the actual state of mankind) should not invoke a sentiment of some kind, suggest a sentiment of some sort; there does come to us a certain feeling from the descriptive verses of the Portuguese poet – and this is the sentiment of the joy of observation, mingled with sentiment of the beautiful, with any other sentiment. Hence the sense of health and of originality that comes to anyone who reads Cesário’s poems.

 

[36r]

 

Originality because before him this has never been given – fixedly, at least – in poetry; health because this joy of observation – unmingled with care for beauty, is the sanest intellectual sentiment that there is.

Let our meaning be understood; for some it will seem strange to hear that the pure joy of observation has never been put in poetry, except in some casual and unmeant line. Where is it found? Byron describes the thunderstorm and glare in its beauty. Cesário would not describe a thunderstorm because that requires a kind of intellect that he does not possess. He describes the town and its streets, the country and its peace as has never been done before. Crabbe is the poet that resembles him most, perhaps, but Crabbe is inferior to Cesário.

Treat at more length.

We will give an instance. Cesário describes a walk in the streets of Lisbon in the morning and

 

[36v]

 

gives in the following 2 verses the Effect of the sun on the street:

 

E fere a vista com brancuras quentes

A larga rua macadamizada.

 

“And the wide macadamized street

Wounds the sight with hot whitenesses.”

 

This admirable true and admirably original in manner.

It would err who would think there is a poetical sentiment of beauty in this; there underlies but the delight of accurate observation, the pleasure of seizing the beauty of what in itself is not hateful, but a poetical subject.[2]

We, by this, might be tempted to say that Cesário’s poetry is the poetry of things unpoetic, since there are no things belied in his poetry in the country, or the fields, which are themselves subjects of poetry, but that he treats in a way certainly new. So that it is not in this phrase – the poetical treatment[3] of unpoetical subjects – that we can find the full definition of Cesário’s originality.

 

(Sublimeness of trivial observation.).

(Conventos – quarteto).

 

 

[BNP/E3, 14E - 35-36]

 

Baudelaire e Cesário.

 

Na sua descrição, Baudelaire nunca é (como, claramente, é natural com os poetas) perfeitamente objectivo. Quando ele descreve, embora friamente na aparência, algum sentimento, alguma sombra de sentimento se mistura na sua descrição - nojo latente, |tristeza| latente, excitação latente pela beleza e pela estranheza. Não é assim em Cesário. Ele é completamente objectivo, como nenhum poeta foi antes dele; excepto num ou noutro verso bizarro; Cesário é sempre um poeta objectivo; essa é a sua peculiaridade, o seu estilo, a essência da sua individualidade como poeta. Quando ele descreve, ele raramente, ou nunca, mistura um sentimento com a sua descrição, na descrição, queremos dizer, pois ele não escreve, digamos, 2 versos de descrição seguidos de 2 de um sentimento, fazendo uma transição abrupta do objectivo para o subjectivo ou vice-versa (pois às vezes ele faz o contrário). Mas nos versos que descrevem, que contêm a descrição, Cesário não faz senão descrever.

 

[35v]

 

Nem mesmo pretende dar um sentimento da beleza do que descreve - não, nem da feiura disso, que, ir pelos contrários, significaria a mesma coisa, psicologicamente; ele visa apenas descrever em poucas palavras uma cena, de modo a torná-la vívida e correctamente apresentada. Nada mais. No entanto, como é impossível que qualquer coisa no mundo (pelo menos, no estado real da humanidade) não invoque um sentimento de algum tipo, sugira um certo tipo de sentimento; chega até nós um certo sentimento dos versos descritivos do poeta português - e este é o sentimento da alegria da observação, mesclado com o sentimento do belo, com qualquer outro sentimento. Daí a sensação de saúde e de originalidade de quem lê os poemas de Cesário.

 

[36r]

 

Originalidade porque antes dele isso nunca foi dado - fixamente, pelo menos - na poesia; saúde porque essa alegria da observação - sem mistura de cuidado com a beleza, é o sentimento intelectual mais são que existe.

Compreendamos o que significamos; para alguns, parecerá estranho ouvir que a pura alegria da observação nunca foi colocada na poesia, excepto em algum verso casual e sem sentido. Onde é encontrado? Byron descreve a tempestade e o brilho em sua beleza. Cesário não descreveria a tempestade porque isso exige um tipo de intelecto que ele não possui. Ele descreve a cidade e as suas ruas, a província e a sua paz como nunca foi feito antes. Crabbe é o poeta que mais se parece com ele, talvez, mas Crabbe é inferior a Cesário.

Tratar isto mais longamente.

Vamos dar um exemplo. Cesário descreve um passeio pelas ruas de Lisboa pela manhã e

 

[36v]

 

apresenta nos 2 versos seguintes o efeito do sol na rua: 

 

E fere a vista com brancuras quentes

A larga rua macadamizada. 

 

Isto é admiravelmente verdadeiro e admiravelmente original no modo.

Seria um erro pensar que há um sentimento poético de beleza nisso; está apenas subjacente o deleite da observação precisa, o prazer de apreender a beleza do que em si não é odioso, apenas um assunto poético.

Podemos, por meio disso, ficar tentados a dizer que a poesia de Cesário é a poesia das coisas não poéticas, pois não há nada que se desmentir na sua poesia na província, nem nos campos, que são eles próprios temas da poesia, mas que ele trata de uma maneira certamente nova. De modo que não é nesta frase - o tratamento poético de assuntos não poéticos - que podemos encontrar a definição plena da originalidade de Cesário. 

 

(Sublimidade de observação trivial.).

(Conventos - quarteto).

 

 

[1] and /or\

[2] the pleasure of seizing the beauty of what in itself is not hateful, but a poetical subject.  /the pleasure of seizing the beauty of all things, an intellectual reflex/ction\ of the joy of life.\

[3] poetical treatment /rendering poetic\

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/3821

Classificação

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Literatura
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Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

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Idioma
Inglês

Dados de conservação

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Biblioteca Nacional de Portugal
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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Cesário Verde, Cânticos do Realismo e Outros Poemas. 32 Cartas, Prefácio de Fialho de Almeida, Estudo crítico de Fernando Pessoa, Edição de Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relógio D’Água, 2006, pp. 236-238.
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