Identificação
[BNP/E3, 14C – 11-13]
Fialho de Almeida
- Distinção entre o provinciano e o citadino na literatura.
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Em lhe tirando a paisagem e a malevolência[1], fica uma besta quadrada.
Que desgraça que ele é como contista! Não sabe narrar, não sabe dialogar, não sabe construir.
Quando quer fazer contos, só contos, {…}
Aquela porcaria do Cancro por exemplo… Que mostruário de estupidez e de {…}! Só ressuscitando-o para lhe dar com eles na cara!
Um instinto descritivo como nenhum outro neste mundo, um poder de sentir a paisagem como nunca homem teve… É que ele era parte da paisagem… Nunca devia ter saído para fora da consciência intuitiva de que o era.
Provinciano… Província.
A sua mesquinhez de espírito anda à tona do mundo como a taca.
Obsceno como um putanheiro de aldeia, lorpa.
[11v]
Ataca à navalha e a varapau. Nunca por suas mãos rugosas de campónio bêbado passa uma intenção do gesto com que se exprime e se saboreia.
Obsceno como um Qualquer de bordel[2], porco de frases como um cantante de taberna {…} – quando quer ser humorístico cai – como todos os galegos e todos os malteses e todas as mais choldras que se não lavam – em ser obsceno meramente.
[12r]
Imoral sem a elegância do que o citadino põe na imoralidade.
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Mas é que nem mesmo é obsceno patente, celeradamente. A sua alma era um barril de lixo – pequeno é certo mas malcheiroso em extremo.
Há aldeia no seu modo de pensar. O seu estilo traz consigo costumes de quem tem o campo por retrete e para quem a banheira e do bidé nem fica mais do que uma espécie de Longe Sonhado e entrevisto em bruma.
Nem a espiritualidade canalha do fadista, nem a {…}. Um andar pesado e escravejado o de sua alma, um sentar-se prono, um {…}
Séculos de maltezismo sujo deixariam[3] na sua alma dedadas muito dedadas, {…}. Unhas sujas as do seu talento. Um génio menor – mas cuja alma nunca lavara os pés.
Incapaz de ironizar, de atacar com aquela frieza {…} daqueles a quem
[12v]
nenhum servilismo da gleba dobrou atavicamente o dorso, e cujas mãos não nasceram calejadas da memória da enxada dos avós.
[13r]
Há certas coisas que a Arte provinciana nunca dá, assim como há certos gestos que[4] um provinciano nunca faz[5].
O provinciano pode ser um equilibrado; nunca deixa de ser um incompleto.
Há espaços demasiado grandes entre homem e homem no campo, correspondentes espaços demasiado grandes entre almas rústicas e almas rústicas.
(Um provinciano, por bem que salte um obstáculo, bate sempre com os pés no chão de um modo demasiado plebeu. Mesmo quando ágil move-se mal, como se trouxesse restos de estar-enraizado nas solas sujas dos pés.)
Um simples gesto simples trai o campo que um homem traz no corpo. Senta-se num sofá assim como quem se atira para cima de uma tarimba, ou como quem se senta numa cadeira trémula ou por denegação absurda em cima de um prego.
[1] malevolência /obscenidade\
[2] bordel /feira\
[3] deixariam /haviam deixado\
[4] /com\ que
[5] faz /acerta\