Identificação
[19 – 82]
Impermanence (ou O Inferior)
A mesquinhez, a estreiteza imaginativa são os vícios definidores da nossa época.
Somos incapazes de escrever, ou de querer escrever, ou de saber como se escrevem, epopeias. Em compensação[1], escrevemos romances.
O romance é o conto de fadas de quem não tem imaginação. Todos nós, ou inferiores, ou em momentos de inferioridade, sonhamos com atitudes e {…} da vida real. Sonhamos também, é certo, com o longínquo; mas isso, embora não lembremos, é, em todo o caso, a poesia da mesquinhez. Tout notaire, dizia G. Flaubert, a rêvé de sultanes. O ajudante de notário, porém, sonha apenas com uma sucessão de acontecimentos em
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que entra a vizinha possível, o marido dela, ele galã, e assim por diante.
A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta. Talhar a obra literária sobre as próprias formas do que não basta é ser impotente para substituir a vida.
[1] /(pseudo)\compensação
Classificação
Dados Físicos
Dados de produção
Dados de conservação
Palavras chave
Documentação Associada
Publicação integral: Fernando Pessoa, Heróstrato e a Busca da Imortalidade, edição de Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, pp. 222-223.