Identificação
[19 – 30]
Que essa arte não é feita para o povo? Naturalmente que o não é – nem ela nem nenhuma arte verdadeira. Toda a arte que fica é feita para as aristocracias, para os escoes, que é o que fica na história das sociedades, porque o povo passa, e o seu mister é passar.
A nossa arte é supremamente aristocrática, ainda, porque uma arte aristocrática se torna necessária neste Outono da civilização europeia, em que a democracia avança a tal ponto que, para de qualquer maneira reagir, nos incumbe, a nós artistas, pormos entre a elite e o povo aquela barreira que ele, o povo, nunca poderá transpor – a barreira do requinte emotivo, e da ideação transcendental, da sensação apurada até à subtileza, do carier to the general das nossas pessoas do vulgo[1].
A nossa civilização corre o risco de ficar submersa como a Grécia[2] sob a extensão da democracia, de cair inteiramente nas mãos dos escravos, ou então de ficar como Roma, não nas mãos de imperadores filhos do acaso e da decadência, mas de grupos financeiros sem pátria, sem lar na inteligência, sem escrúpulos intelectuais e sem causa em Deus. O único antídoto para isto é uma lenta aristocratização. É pela arte que, supremamente, essa aristocratização pode ser feita.
Raiava, já antes da guerra, no horizonte o triste sinal da plebeização das elites. Bailados, espectáculos, e outros desvios semelhantes da arte superior, iam tomando vulto. É preciso reagir contra esta corrente.
Depois da guerra, é de crer que aumente o espírito patriótico. Nada mais ignóbil. Reporto-me às palavras sublimes de Goethe quando falou de quão pouco o sentimento patriótico sobe até às paragens de ar puro e raro onde vivem os Superiores. Permita-me que lhe recorde aquele passo das conversações com Eckermann em que o Mestre de Weimar registou essa ideia.
[1] do vulgo /anormais\
[2] Grécia /(Atenas)\