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Fernando Pessoa
Medium
Fernando Pessoa
BNP-E3, 19 - 5-7
BNP-E3, 19 - 5-7
Fernando Pessoa
Identificação
Estética

[19 – 5-7][1]

 

Estética.

 

Um grande artista [literário] nota-se aplicando-lhe a seguinte pergunta crítica: tem paixão, ou imaginação ou pensamento? Por ex. os “Lusíadas” de Camões têm paixão (o patriotismo), imaginação (o Adamastor, a Ilha dos Amores), mas não falhos de pensamento. Os Sonetos de Antero têm sempre pensamento, às vezes imaginação (?), paixão nunca (?) [Júlio Dantas nada; porque não é um grande poeta.]

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O arquitecto, o pintor, o escultor não podem mostrar pensamento, nem o pode o compositor musical. Mas os 3 primeiros podem mostrar imaginação (conquanto não emoção); o segundo emoção, conquanto não imaginação. Vemos assim nitidamente as diferenças entre as artes.

O pintor se quiser dar uma aproximação do pensamento, só pode fazer uma coisa: simbolizar; o escultor

 

[5v]

 

menos, o arquitecto nada. (?) O músico nunca pode nem dar nem indicar pensamento. É evidente a razão: a música dá a emoção, as artes da vista a imaginação; ora a emoção não está ligada à razão, mas a imaginação aproxima-se, sendo de perto uma combinação de emoção e razão, tendo o caracter não-rígido da emoção (a mildness,), e a frieza da razão. A música é das artes todas a mais intuitiva, a mais do instinto, aquela em que crianças se tornam notáveis; é que da emoção depende e não da imaginação nem do pensamento, quer dizer, a 2ª mais do que a 1ª, indesenvolvida nas crianças.

Estas considerações tocaram no símbolo. Ajudam-nos a compreendê-lo. O símbolo é o modo de pensar dos imaginativos [nos que são inintelectuais, habitual; nos que são intelectuais, voluntário, se assim se pode dizer].

 

[6r]

 

Primeiramente, primitivamente o homem, em quem ainda se não tinha diferenciado imaginação e razão, pensou por símbolos, por imagens, por metáforas.

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A imaginação nasce primitivamente da emoção, e da imaginação nasce depois a razão, como irmã. Mas — não sendo criadas — cada qual está já contida na anterior. Temos assim que a evolução mental humana é do seguinte modo: –

 

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[6v]

 

a repetição das sensações forma a memória. (tempo puro)

Depois a sensação, persistindo, vai deixando alguma coisa que pela memória se vai tornando permanente. Esta permanência da sensação é o sentimento. Mas, a par disto o mesmo processo deu-se |intelectualmente|[2]: a memória ideativa (a outra é a afectiva, mas está combinando-se) também se constituiu pela repetição das representações; como se forma, quanto à parte afectiva da psique, o sentimento, forma-se, quanto à parte intelectual, a noção, uma ideia das coisas. A mesma permanência que forma, sentimentalmente, o sentimento, forma intelectualmente a noção. Forma também do impulso, repetido — o desejo. Temos assim o 2º grau da evolução mental. Noçãosentimentodesejo. O 1º era aquele em que estavam estes 3 elementos virtuais na ideia — sensação - impulso que eram uma unidade mais homogénea. Mas os outros 3 não tinham uma unidade; é preciso não o esquecer. Mais heterogénea, porém, esta unidade começa nos seus 3 elementos a influenciar-se mutuamente, ajudando a desenvolver o que cada um em si tem.

 

Tudo isto não é senão a evolução da consciência.

N! || A memória não é um fenómeno intelectual é um fenómeno da consciência.

 

[7r] [3]

 

Mas os sentimentos e os desejos compelem o ente, quando os sente a associar-lhes noções que a memória afixara a certos sentimentos e desejos, por associações no passado. Nasce assim a imaginação. Paralelamente, a influência dos desejos e das noções ou ideias nos sentimentos fazem com que estes, ao ser recordados e incitados por meio de imagens e lembranças formem uma nova coisa: a emoção (da qual o exemplo primacial é o medo). E com respeito ao desejo o mesmo acontece, sendo o resultado a paixão. (Paixão, emoção e imaginação são 3 partes de um todo; por exemplo: no medo, há imanente a imaginação representativa do perigo, a emoção do medo, e a paixão do temor levando à acção de fugir — o que se concebe, o que se sente e o que se é impelido). É este o 4º grau da evolução mental.

À medida porém que no cérebro nascem representações imaginativas (i.e., impulsos de observação imediata) o ente associa-os como |associava| as sensações: temos o pensamento. Pensamento ainda não distante

 

[7v]

 

da imaginação –.

 

 

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Todas estas faculdades são, não nos devemos esquecer desenvolvimentos de uma só: a consciência. Essa consciência evolui através de todas essas manifestações. A evolução delas é, basilarmente, a sua evolução.

Estas faculdades formam camadas.

Por exemplo, a imaginação artística não é a do período da imaginação, mas sim essa (já radicada) + o pensamento-abstracção.

 

 

[1] À margem do texto lemos, no documento original, o seguinte apontamento: «diferentemente o medo dos imaginativos e o dos entes mais inferiores.»

[2] |intelectualmente| /quanto à inteligência\

[3] À margem do texto lemos, no documento original, a seguinte nota: «Nota! A 1ª arte (já das aves) é a música. Até |*as crianças| a apreciam. Os que apreciam a música têm sentimento. (Modo de provar que os animais sentem) Importante!»

Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 124-127.