Identificação
[BNP/E3, 18 – 62]
I.
Propomo-nos determinar qual o valor do drama “Octávio”, de que é autor Vitoriano Braga.
Como, nas coisas que são da arte, o gosto é que é juiz, porém não há de ser o nosso gosto, que não pode ser juiz pelo alheio, nem o gosto de uns, porque não pode ser juiz pelo de outros, senão um gosto que a todos possa dar leis, e que traga consigo as razões da sua aceitação, temos que uma determinação daquelas tem que assentar em princípios, aos quais se reconheça o carácter de objectivos. E como em matéria de arte e de gosto, nem há ciência, a que nos acostemos, nem autoridade que valha como ciência, temos que estabelecer quando e como os princípios de que nos sirvamos e fazendo-os assim pela demonstração, demonstrando-os por meio do raciocínio e, como têm que ser objectivos e por isso demonstrar, têm que assinalar quais eram os critérios. Têm que ser legisladores e reger, por leis de que somos executores. Querendo ser Artistas, temos que ser primeiro filósofos de arte. Temos de ser legisladores e muito sábios.
Em três partes, portanto, se divide a determinação objectiva do valor do drama, em cujo exame vamos empregar-nos: primeiro, que espécie de drama é ele; segundo, quais são os princípios objectivos per meio dos quais se saiba a força ou valor de um drama dessa espécie; terceiro, aplicados esses princípios ao drama, de que se trate[1], que valor, então, tem ele?
Daremos a este estudo o enredo e o argumento que esta divisão impõe.
II.
Dois são os géneros literários, que servem de presentar acções: o narrativo, que as presenta como se no-las contassem; e o dramático, que no-las presenta como se as presenciássemos.
Deixando agora o primeiro, de que aqui não temos que curar, vemos que o segundo compreende três espécies.
Como o drama é um género da arte literária, e nos fins de toda arte, quaisquer que sejam eles, forçosamente[2] há de caber o de interessar, não sofre dúvida, desde logo, que pode haver três espécies de drama, conforme[3] as 3 razões precisas por que dê interesse[4]. Pode o drama ser feito para, essencialmente, interessar-nos como literatura; ou só por interessar-nos; ou como acção, isto é, exclusivamente como drama. À primeira espécie pertence o drama em verso, assim como o drama simbólico; um subordina a acção à intensidade da poesia e à veemência[5] da dicção; o outro a subordina ao sentido oculto, que a acção serve de figurar. À segunda espécie pertencem a baixa-comédia e a farsa, que se servem da acção só como meio de interesse; e como o simples interessar, sem outro motivo, forçosamente se reduz a entreter, e o simples entreter não mais importa que alegrar e distrair, essa espécie do drama não pode ser senão cómica, como é. À terceira espécie, finalmente, pertence todo o drama em que o interesse reside, essencialmente, na acção, e, como o interesse de uma acção, como só tal, está em que pareça exactamente a vida, não suporta esta espécie do drama exagero algum, nem para, como no drama em verso, o elevar acima da vida, nem para, como na farsa, o trazer abaixo da realidade[6]. À primeira espécie chamaremos transferida, à segunda deformada, à terceira representativa.
O drama, em que vamos empregar a nossa análise, pertence à terceira destas espécies. Só dela, portanto, curaremos.
[1] trate/a\
[2] forçosamente /perenemente\
[3] conforme /segundo\
[4] por que dê interesse /em que reside o interesse da obra\
[5] subordina a acção à intensidade da poesia e à veemência /interpreta pelo que a poesia dramática tem\
[6] da realidade /d’ella\