Identificação
[BNP/E3, 18 – 43]
História da Literatura Inglesa.
Como a história de um povo é, não tanto a história dos seus grandes homens (ou dos seus grandes feitos), mas a história do que eles significam, assim a história da sua literatura é, não tanto a história dos grandes nomes, que a ilustraram, ou dos grandes movimentos, nos quais se manifestaram esses nomes, mas a história do sentido que esses nomes e esses movimentos tiveram.
A literatura de um povo é, na sua vera substância, o que esse povo pensou de si mesmo, e do universo, da sociedade, e do indivíduo, através de si-próprio. Por isso a história de uma literatura é, na realidade bem entendida, a história da significação que tiveram as diferentes interpretações que esse povo deu a si-mesmo. A história de uma literatura é a história da evolução de uma consciência nacional. Assim há de ser entendida, se há de ser de qualquer modo compreendida. Assim há de ser escrita, se há de pretender a ser, de qualquer modo, definitivamente escrita. E é não só de boa índole clássica, como, e por isso, de boa índole humana, que ninguém queira compreender senão para compreender definitivamente, como que ninguém escreva, senão para que o que escreve perdure com a memória dos homens e a existência consciente da humanidade. Pode o esforço conseguir menos, porque os deuses dão o desejo, mas só o Destino o seu consentimento; mas o esforço deve ser de ordem divina, para que o Destino, quando conceda, não conceda senão um resultado divino ao resultado externo do esforço.
Disse-se que a história é a mestra da vida; mas a história o que pode ser é mestra da consciência da vida. Para a vida não pode haver mestres, porque as leis fatais, que a regem, têm uma autoridade absoluta, não admitindo divisão de poderes, ou delegação de gerência. Mas para a compreensão da vida, que é pertença abstracta da inteligência, esforço do entendimento fora de querer agir, pode o que se escreve servir de alimento, e o que se compreende tomar-se por estímulo.
O historiador, se compreende bem o papel que representa no teatro inútil da vida, deve procurar, não tanto compreender a vida como uma série de estados, mas como uma série de passagens de estado para estado. Cada época é real só para aqueles que viveram nela; para o entendedor, ela não é mais que o caminho por onde a época anterior, ela-própria da mesma natureza, passou para a época posterior, também sem natureza diferente. Tudo na vida é intervalo e passagem. Tudo que passa, porém, tem um modo de passar, um caminho por onde passa, e uma razão por que segue esse caminho. O dever do historiador é fazer o roteiro do passado, descobrir a linha continua que, passando por tantos pontos do tempo, tem, em todo o caso, a sua realidade em ser linha e
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não em ter passado por esses pontos, em ser uma direcção e não um contacto com os pontos por onde se dirigiu.
Ao escrever a história de um povo, quer na sua vida prática, quer na sua vida especulativa, não tem o historiador mais que fazer, senão que {…}
Na mecânica, aquela parte chamada “estática” não é mais que a introdução àqueloutra, a que se chama “dinâmica”. Estuda-se a paragem para se chegar ao estudo do movimento. E, como a ciência sabe que este conceito de paragem não se ajusta a realidade nenhuma, mas apenas a uma aparência de realidade, a uma coisa que só é real em relação a outra, deve todo o homem de ciência, qualquer que seja a disciplina a que aplica a sua actividade de entendedor, analisar o que, em qualquer forma da realidade representa a paragem apenas como ponto de partida para o que nela representa o movimento. A anatomia é uma introdução à fisiologia.
Nos estudos sociológicos, nos estudos que dependem da sociologia, o elemento estático, que encontramos, é o de época. É estudando os característicos de uma época que começamos a fazer história. Mas não devemos nunca deixar durar a ilusão de que essa época verdadeiramente existe mais que o tempo necessário para que essa ilusão nos ajude a compreender a realidade, mais tempo do que o preciso para que essa ilusão nos ajude a compreender que é uma ilusão.
A divisão da história em épocas é uma falsidade necessária, um processo de compreensão preliminar, uma introdução à história como não dividida em épocas.