Fernando Pessoa
Print

Medium

Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP-E3, 18 – 43
Imagem
BNP-E3, 18 – 43
PDF
Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
História da Literatura Inglesa
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 18 – 43]

 

História da Literatura Inglesa.

 

Como a história de um povo é, não tanto a história dos seus grandes homens (ou dos seus grandes feitos), mas a história do que eles significam, assim a história da sua literatura é, não tanto a história dos grandes nomes, que a ilustraram, ou dos grandes movimentos, nos quais se manifestaram esses nomes, mas a história do sentido que esses nomes e esses movimentos tiveram.

A literatura de um povo é, na sua vera substância, o que esse povo pensou de si mesmo, e do universo, da sociedade, e do indivíduo, através de si-próprio. Por isso a história de uma literatura é, na realidade bem entendida, a história da significação que tiveram as diferentes interpretações que esse povo deu a si-mesmo. A história de uma literatura é a história da evolução de uma consciência nacional. Assim há de ser entendida, se há de ser de qualquer modo compreendida. Assim há de ser escrita, se há de pretender a ser, de qualquer modo, definitivamente escrita. E é não só de boa índole clássica, como, e por isso, de boa índole humana, que ninguém queira compreender senão para compreender definitivamente, como que ninguém escreva, senão para que o que escreve perdure com a memória dos homens e a existência consciente da humanidade. Pode o esforço conseguir menos, porque os deuses dão o desejo, mas só o Destino o seu consentimento; mas o esforço deve ser de ordem divina, para que o Destino, quando conceda, não conceda senão um resultado divino ao resultado externo do esforço.

 

Disse-se que a história é a mestra da vida; mas a história o que pode ser é mestra da consciência da vida. Para a vida não pode haver mestres, porque as leis fatais, que a regem, têm uma autoridade absoluta, não admitindo divisão de poderes, ou delegação de gerência. Mas para a compreensão da vida, que é pertença abstracta da inteligência, esforço do entendimento fora de querer agir, pode o que se escreve servir de alimento, e o que se compreende tomar-se por estímulo.

 

O historiador, se compreende bem o papel que representa no teatro inútil da vida, deve procurar, não tanto compreender a vida como uma série de estados, mas como uma série de passagens de estado para estado. Cada época é real só para aqueles que viveram nela; para o entendedor, ela não é mais que o caminho por onde a época anterior, ela-própria da mesma natureza, passou para a época posterior, também sem natureza diferente. Tudo na vida é intervalo e passagem. Tudo que passa, porém, tem um modo de passar, um caminho por onde passa, e uma razão por que segue esse caminho. O dever do historiador é fazer o roteiro do passado, descobrir a linha continua que, passando por tantos pontos do tempo, tem, em todo o caso, a sua realidade em ser linha e

 

[43v]

 

não em ter passado por esses pontos, em ser uma direcção e não um contacto com os pontos por onde se dirigiu.

 

Ao escrever a história de um povo, quer na sua vida prática, quer na sua vida especulativa, não tem o historiador mais que fazer, senão que {…} 

 

Na mecânica, aquela parte chamada “estática” não é mais que a introdução àqueloutra, a que se chama “dinâmica”. Estuda-se a paragem para se chegar ao estudo do movimento. E, como a ciência sabe que este conceito de paragem não se ajusta a realidade nenhuma, mas apenas a uma aparência de realidade, a uma coisa que só é real em relação a outra, deve todo o homem de ciência, qualquer que seja a disciplina a que aplica a sua actividade de entendedor, analisar o que, em qualquer forma da realidade representa a paragem apenas como ponto de partida para o que nela representa o movimento. A anatomia é uma introdução à fisiologia.

 

Nos estudos sociológicos, nos estudos que dependem da sociologia, o elemento estático, que encontramos, é o de época. É estudando os característicos de uma época que começamos a fazer história. Mas não devemos nunca deixar durar a ilusão de que essa época verdadeiramente existe mais que o tempo necessário para que essa ilusão nos ajude a compreender a realidade, mais tempo do que o preciso para que essa ilusão nos ajude a compreender que é uma ilusão.

A divisão da história em épocas é uma falsidade necessária, um processo de compreensão preliminar, uma introdução à história como não dividida em épocas.

 

Notas de edição

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

Palavras chave

Locais
Palavras chave
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 48-50.
Exposições
Itens relacionados
Bloco de notas