Identificação
[BNP/E3, 103 – 42]
IV.
A dificuldade de definir a metafísica da nova poesia portuguesa – dificuldade esboçada causalmente[1] na primeira parte deste artigo – surge flagrantemente na constatação preliminar de que a sua corrente poética nos apresenta uma metafísica ao mesmo tempo definida e indefinida. Apresenta-se metafisicamente definhada porquanto sendo uma poesia, em sua elementar essência, metafísica, o cunho de originalidade que, desde o primeiro olhar, se torna evidente subentende uma definida metafísica especial. Quando porém nos propomos realizar essa patente unidade de tom metafísico a uma nítida expressão abstracta, o que nos aparece é uma fluidez |extraordinária|, uma infixidez concreta {…}. Se quisermos arrancar à nossa poesia a sua ideia de Deus, não a encontramos definida. Igualmente impossível é determinar se a imortalidade da alma é princípio ou admitido ou excluído ou sustentado ou não pelos nossos poetas. Em matéria de livre-arbítrio, à parte uma vaga tendência para como-que o afirmar, nada definidamente consta à nossa atenção lógica do exame da parte característica e extra-formal da alma dos nossos novos poetas. Oferece-nos pois como perfeitamente fluida e incerta, quanto |a princípios concretos, a metafísica da nossa corrente.| Não se diga que a toda a corrente assim acontece. Com efeito, isto leva-nos à análise diferencial. A Renascença é esmagadoramente espiritualista, no que característica, e sob a crença num Deus pessoal e na imortalidade da alma não há, nem aberta- nem ocultamente, dúvida geral. Porém houve mais heréticos quanto ao que de mais-alto pensaram os poetas de então, mas, na base, crêem nele ainda que se lhes turve a expressão irracionalmente |para o caso|. O espiritualismo é a falsa imortalidade suposta da metafísica dos poetas da Renascença: mais espera do espiritualismo deslocar-se quase até a um materialismo epilogado da alma que, na outra existência, em uma crença numa alma.
[42v]
Mas a doutrina essencial é espiritualista, crente num Deus criador, exterior à natureza, na dupla realidade do corpo – o transitório – e da alma, o permanente, a alma para eles é a realidade essencial: não porque o corpo não seja real, mas porque é uma realidade transitória, ou por isso que a alma é uma realidade permanente e eterna no livre-arbítrio {…}
|Se oferece mais dificuldade na classificação a par da matéria, não é talvez por fluidez propriamente, mas antes por uma maior divisão entre as individualidades dos poetas, entre as suas metafísicas individuais portanto. O que é difícil é encontrar o ponto comum a todos esses metafísicos; não definir, de per si, cada metafísica, a metafísica de cada poeta. O analisado, porém, cinde finalmente em 3 correntes a orientação metafísica dos poetas românticos.
Resulta daqui que para a Renascença há uma realidade central o Homem, isto é, a Acção, visto que o corpo é o impermanente, o vil, o transitório. Em torno a esta vida coloca-se a realidade assim: (1) Deus (2) a alma (3) a Natureza considerada como uma causa – para o Homem utilizar. Daí a poesia (1) contemplativa – e amorosa, constitutivamente, platonizante, espiritual (2) dramática (3) épica. Da natureza, o mais atento dos poetas da Renascença, Rabelais, só descreve o que objectivamente interessa o poema: flores {…} A Natureza, como todo, não existe, senão como uma ou outra vez, filosoficamente, para ele.
[1] causalmente /quanto à sua causa\