Identificação
[BNP/E3, 88 – 38, 40]
Apesar de a sua tarefa ser a da reconstrução da literatura e da mentalidade nacionais, o Movimento Sensacionista vai dia a dia ganhando força, abrindo caminho, florindo em novos adeptos e sensibilidades acordadas. Vai sendo tal o seu êxito que dir-se-ia tratar-se, não de uma obra alevantada e útil, mas de qualquer blague ignóbil[1] como um partido político ou um centro escolar, ou qualquer outro bacilo social que tire vida da triste condição da natureza humana. Mas, felizmente, ninguém poderá confundir o Sensacionismo com qualquer desses divertimentos normais. O escândalo, que se ergueu em torno a Orpheu, o glorioso |órgão| dos sensacionistas, marcou bem na consciência dos entendedores a seu {…}
O carácter manifestamente anormal dos sensacionistas, o incompreensível das suas ideias aos feirantes da inteligência, o consequente escândalo que encheu de carinho e admiração por si-próprios os colaboradores de Orpheu, (quorum pars magna fui literalmente) – tudo isto serviu bem para distanciar a olhos videntes os autores do movimento sensacionista de quantas criaturas fazem vida mental pelo agradar aos outros, e pelo serem úteis aos semelhantes.
Este triunfo – porque desagradar é triunfar – não foi, por certo, devido à intensidade da propaganda. Nenhuma propaganda se tem feito. Uma sensibilidade aristocrática não desce a explicar-se.
[38v]
Em torno aos espíritos espontaneamente dirigentes do sensacionismo, numerosos espíritos nuclearam, e se continuam nucleando. É uma necessidade da hora da Raça, que sente necessário realizar Cosmópolis em si – assim, mesmo neste triste Marrocos, nesta Gibraltar de si-próprio.
Servem estas palavras de introdução à crítica, que vamos fazer, das duas plaquetes sensacionistas cujos títulos encimam[2] este artigo.
[40r]
A breve e magistral colheita de sonetos, que o sr. Pedro de Menezes fez para o seu público, marca bem a individualidade definida, que ele tem a dentro do Sensacionismo. A exuberância abstracto-concreta das imagens, a riqueza da sugestão na associação delas, a profunda intuição metafísica que socleia tanto os versos culminantes dos sonetos desta plaquete, como, frequentemente, a direcção |anímica| de {…} – tantas são algumas das razões que um espírito esclarecido e europeu encontra para admirar e amar o Elogio da Paisagem. Como esta crítica não é feita para analfabetos, é inútil detalhar mais que, no lance, nada adiantaria[3]. Basta que se aponte como são belos – acima dos outros, que são todos belos – os sonetos III (1º), V, XIII (1º) e, mais do que todos, o assombroso “Horas Mortas”, que não conseguimos não transcrever.
Convém não omitir que o Sr. Pedro de Menezes junta às suas grandes qualidades dois defeitos, que, não as empanando[4], certo é que não deixam que elas tenham o relevo a que tem jus. O primeiro defeito é uma certa deficiência – por vezes acentuadamente notável – da musicalidade e sugestão puramente silábica, de sedução rítmica pura. Os seus versos têm, frequente, elementos de dureza e rectilineidade. No próprio grande soneto, que se citou, esta deficiência se revela.
O seu outro defeito menos frequente e onde está, em geral, menos sensível. É que, por vezes, esquece as leis, não só exotéricas, mas esotéricas também, de associação de ideias desconexas e justapõe imagens que, sendo, quase sempre, cada uma delas bela, não se fundem em beleza, não se sintetizam sugestivamente no espírito. E é nestes pontos raros que a fraqueza rítmica, associando-se a ess’outra falha, consegue que a beleza escasseie no efeito prático que resulta.
[1] blague ignóbil /baixa blague\
[2] encimam /encabeçam\
[3] mais que, no lance, nada adiantaria /ou fazer citações\
[4] não as empanando /chegando a empaná-las\
Rascunho do testemunho impresso publicado por Fernando Pessoa com o título: «Movimento Sensacionista», in Exílio, nº 1, Lisboa, Abril de 1916, pp. 46-48.