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Fernando Pessoa - Literary Theory

This digital edition of texts by Fernando Pessoa deals with the set of poetic theorizing writings from hisArchive and brings together essays, comments, notes, sketches and fragments about literature from the Portuguese author. The documents transcribed are in Fernando Pessoa’s Archive in the custody of the National Library of Portugal, with quota E3. All facsimiles are accompanied by a critical lesson and a paleographic transcription, which is available for download in the “PDF” field.

 

 

Medium
Fernando Pessoa
BNP/E3, 14-3 – 18-19
BNP/E3, 14-3 – 18-19
Fernando Pessoa
Identificação
Balança de Minerva. Aferição.

[BNP/E3, 143 – 18-19]

 

x Balança de Minerva. x

 

Aferição.

 

Falar é o modo mais simples de nos tornarmos desconhecidos. E esse modo imoral e hipócrita de falar a que se chama escrever, mais complexamente nos vela aos outros e àquela espécie de outros a que a nossa inconsciência chama nós-próprios. Por isso, se escrever, no sentido de escrever para dizer qualquer coisa é acto que tem um cunho de mentira e de vício, criticar as coisas escritas não deixa de ter um correspondente aspecto de curiosidade mórbida ou de futilidade perversa.

 

Propriamente, o único crítico de arte deve ser o psiquiatra. Porque, ainda que os psiquiatras sejam tão ignorantes como todos os outros homens daquilo a que eles chamam ciência, [a psiquiatria ainda é a mais cheia de nomenclatura]. Todo o resto – a chamada crítica literária – é simplesmente o aproveitar para escrever a circunstância doentia de outros terem escrito. Só uma maledicência tenaz {…}

 

Claro que a futilidade e a inutilidade da crítica são a sua justificação perante a ciência. A ciência só ama o fútil: primeiro altar da metafísica, que é a preocupação das coisas sérias da vida. E até ante a própria metafísica a crítica não é injustificada. Porque, dado que a crítica seja inútil e estéril, não é absolutamente.

 

[18v]

 

E quando a crítica é escrita também, requinta-a para repugnante a sua imoralidade essencial. Pega-se-lhe a doença do criticado – o facto de existir escrita.

 

[19r]

 

{…} certo que o sistema do universo o não seja.

Preferiríamos, talvez, que isto não fosse. Quereríamos que não houvesse justificação para a crítica, para mais confiadamente a podermos fazer só vale a pena praticar o injustificável: de superior a isso aliás há só o justificá-lo.

Chamámos a esta secção Balança de Minerva porque é convenção estabelecida que se deva dar nomes às coisas, mesmo aos artigos de crítica. Demos a este artigo o subtítulo de Aferição porque, indo na esteira do assunto, assim concebemos claro que a aferição mostra que a pessoa está[1] falando|; mas como a balança também o está, assim como os artigos a pesam – fica tudo numa igualdade 

Um † que se fazia sorridente, um interesse petulante oco como a vida – é a única atitude que ao indicar que tem a petulância de se julgar imprecisa como trazer na lapela composta tão pouco o que se diz duvidoso que se fez que {…}

_____________________________________________

Desta lógica atitude para com a crítica, nasce, como um facto, a correspondente atitude para com o criticado {…}

 

[19v]

 

{…} sempre tem mais direito do que outro a fingir que tratam de observação. Se os não colasse bem no chão do erro a circunstância de serem críticos também, {…}

 

O ser imortal é a única das preocupações anti-sociais que não faz mal a ninguém. Raras vezes o futuro dá por ela.

 

E em grande número de casos, o nosso uso da balança crítica resumir-se-á em dar com ela – pesos e tudo – na cabeça do criticado. Isso, de resto, não deve preocupar ninguém. Quem tiver de ser imortal pode sê-lo mesmo com a cabeça partida.     

 

 

[1] está/ava\

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/4400
Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada