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Fernando Pessoa - Literary Theory

This digital edition of texts by Fernando Pessoa deals with the set of poetic theorizing writings from hisArchive and brings together essays, comments, notes, sketches and fragments about literature from the Portuguese author. The documents transcribed are in Fernando Pessoa’s Archive in the custody of the National Library of Portugal, with quota E3. All facsimiles are accompanied by a critical lesson and a paleographic transcription, which is available for download in the “PDF” field.

 

 

Medium
Fernando Pessoa
BNP/E3, 14E – 40
BNP/E3, 14E – 40
Fernando Pessoa
Identificação
Cesário Verde.

[BNP/E3, 14E – 40]

 

Cesário Verde.

 

Houve em Portugal, no século dezanove, três poetas, e três somente, a quem legitimamente compete a designação de mestres. São eles por ordem de idades, Antero de Quental, Cesário Verde e Camilo Pessanha. Com a excepção de Antero, todavia dubitativamente aceite e extremamente combatido, coube a todos três a sorte normal dos mestres – a incompreensão em vida, nos mesmos (como em Byron, derivando de Wordsworth e combatendo-o) sobre quem exerceram influência.

 

A celebridade raras vezes acolhe os génios em vida, salvo se a vida é longa, e lhes chega no fim dela. Quase nunca acolhe aqueles génios especiais, em quem o dom da criação se junta ao da novidade; que não sintetizam, como Milton, a experiência poética anterior, mas estabelecem, como Shakespeare, um novo aspecto de poesia. Assim, e nos exemplos comparativamente citados, ao passo que Milton, embora sem pequenez para ser aceite pelo vulgo, foi de seu tempo tido como grande com a grandeza que tinha, Shakespeare não foi apreciado pelos contemporâneos senão como cómico.

 

Com Antero de Quental se fundou entre nós a poesia metafísica, até ali não só ausente, mas organicamente ausente, da nossa literatura. Com Cesário Verde se fundou entre nós a poesia objectiva, igualmente ignorada entre nós. Com Camilo Pessanha a poesia do vago e do impressivo tomou forma portuguesa. Qualquer dos três, porque qualquer é um homem de génio, é grande não só adentro de Portugal, mas em absoluto.

 

Os restantes poetas tiveram o seu tempo, e quem tem o seu tempo não pode ter os outros. O que os deuses dão, vendem-no, diziam os gregos. Junqueiro morreu logo que morreu. O mesmo Pascoaes está moribundo. Não que destes poetas mais célebres que imortais não fique nada. Ficam poemas; a obra, porém, não fica.

 

Este fenómeno tem uma explicação, porque tudo tem uma explicação. A celebridade consiste numa adaptação ao meio; a imortalidade numa adaptação a todos os meios. Quando se diz que a posteridade começa na fronteira, assim, em certo modo se entende.

 

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Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Cesário Verde, Cânticos do Realismo e Outros Poemas. 32 Cartas, Prefácio de Fialho de Almeida, Estudo crítico de Fernando Pessoa, Edição de Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relógio D’Água, 2006, pp. 225-226.