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Fernando Pessoa - Literary Theory

This digital edition of texts by Fernando Pessoa deals with the set of poetic theorizing writings from hisArchive and brings together essays, comments, notes, sketches and fragments about literature from the Portuguese author. The documents transcribed are in Fernando Pessoa’s Archive in the custody of the National Library of Portugal, with quota E3. All facsimiles are accompanied by a critical lesson and a paleographic transcription, which is available for download in the “PDF” field.

 

 

Medium
Fernando Pessoa
BNP-E3, 19 - 102
BNP-E3, 19 - 102
Fernando Pessoa
Identificação
Victor Hugo.

[19 – 102]

 

Victor Hugo.

 

Victor Hugo tem o grande defeito dos temperamentos retóricos: as ideias são nele momentâneas, são inspirações realmente e não propriamente ideias, tanto que, a maior parte das vezes, se apresentam aos sentidos do poeta, interiormente, e não ao pensamento. Por momentaneidade das ideias quero dizer que Victor Hugo, quando tem uma ideia brilhante e lúcida, não sabe tirar dela as conclusões lógicas, não sabe fazê-la o ponto de partida de uma associação de ideias[1], de um raciocínio qualquer. Como essa ideia se lhe apresenta sob a forma de uma imagem associa a outras imagens não casualmente a ideias, associa-a pelo que ela tem de imagem não pelo que ela tem de ideia. É o mal de todos os inspirados, de todos os “videntes”. São “parciais” mentalmente; não pensam, têm ideias. Assim Victor Hugo contradiz-se, justapõe ideias às vezes nitidamente insusceptíveis de justaposição lógica, outras vezes pontos de partida para raciocínios que inevitavelmente levam a conclusões antitéticas. Análise, não tem nenhuma; não analisa, compreende. Quem analisa {…} Quem compreende não se compreende a si. Quem compreende pura e simplesmente, compreende aos bocados. Victor Hugo pode ter a intuição de um todo, ou de uma parte; nunca a das partes[2] de um todo, nem da relação de um todo com as suas partes. O modo mental de Victor Hugo de acordo que é o vulgar, levado a um alto ponto; é por ser o vulgar que não pode ser o supremo.

Tem-se observado que Victor Hugo é um primitivo no psiquismo; que não pensa senão por imagens. Não é só isso. Pensa epigra-

 

[102v]

 

maticamente. O seu pensamento é do género cujo mais vulgar representante é o epigrama trivial. O seu pensar é uma coisa positiva formada de três coisas negativas: pensa por imagens (o contrário {…}), por epigramas (o contrário {…}) e {…} O seu pensamento mais abstracto é concreto; {…} O pensamento chamado epigramático, distingue-se por associar ideias de dois modos apenas: por semelhança e contraste. Ora isto indica um modo de pensar especial: por imagens.

Victor Hugo pensa por imagens. Ora aquele em cujo espírito tudo se apresenta como imagem, só de dois modos pode associar ideias: pela sua semelhança ou dessemelhança Com efeito uma imagem qualquer só, dentro da sua ordem mental, duas coisas pode evocar: imagens parecidas ou desparecidas.

 

 

[1] ideias /(lógica)\

[2] partes /(plural)\

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2795
Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Publicação parcial: Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 338-340.
Publicação integral: Pauly Ellen Bothe, Apreciações literárias de Fernando Pessoa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013, pp. 136-137.