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Fernando Pessoa - Literary Theory

This digital edition of texts by Fernando Pessoa deals with the set of poetic theorizing writings from hisArchive and brings together essays, comments, notes, sketches and fragments about literature from the Portuguese author. The documents transcribed are in Fernando Pessoa’s Archive in the custody of the National Library of Portugal, with quota E3. All facsimiles are accompanied by a critical lesson and a paleographic transcription, which is available for download in the “PDF” field.

 

 

Medium
Fernando Pessoa
BNP-E3, 19 - 96
BNP-E3, 19 - 96
Fernando Pessoa
Identificação
Estética.

[19 – 96]

 

Estética.

 

The Spasmodics.[1]

 

Mostram bem a diferença entre génio e talento, entre um poeta nato e um homem culto com imaginação. A beleza esporádica abunda nos espasmódicos, de forma às vezes a perturbar o crítico. Belezas, porém, de todo, não as possui este género de poeta.

No homem culto e imaginativo a imaginação é da superfície. Assim escreve poesia querendo muito melhor geralmente do que o verdadeiro poeta. Sirva, de exemplo o célebre desafio poético sobre o tema Nilo entre Leigh Hunt, Keats e Shelley. O resultado foi que os sonetos produzidos foram na razão inversa do valor dos que os produziram: o de Leigh Hunt é o melhor, segue-se depois a alguma distância o de Keats e perto deste, mas ainda assim ainda mais fraco o de Shelley. Shelley era aliás extremamente rápido e espontâneo na inspiração; veja-se porém em que deu quando quis escrever.

Sendo tão espontâneos era de esperar que os espasmódicos fossem bons líricos; é justamente o que não são. São os poetas líricos mais fracos da Inglaterra no século XIX. É nisto que se nota a sua fraqueza: é nisto que se nota que a sua espontaneidade é a do superficial e não a do imaginativo repentista. Este é sempre um lírico. O espasmódico nunca o é.

Tão-pouco são poetas narrativos, nem satíricos, nem de género nenhum. São poetas de frases, algumas extraordinariamente belas, de epítetos, alguns estranhamente aptos – mais nada.

 

[96v]

 

Analisando mais compreende-se que esse exclusivismo vem de uma facilidade em se adaptar o exterior no génio dos outros poetas, ou o que de formal bóia no meio artístico e literário; são realmente pasticheurs, mais ou menos hábeis. E o pasticheur é um homem que se adapta o pensamento ou sentimento de outro na sua forma. Se o adapta na sua essência não é já um pasticheur, mas um poderosíssimo intuitivo, que deve enveredar pelo caminho do drama, onde o seu génio deve ter lugar.

Essa imitação ou adaptação formal tem de resto seus limites. Se é muito exacta ou muito sustida, já não há imitação formal mas essencial, e temos portanto o intuitivo outra vez. Mas o que caracteriza os espasmódicos é que têm frases esplendidas, epítetos geniais, rasgos sublimes que são jóias – de diferentes procedências — encastoadas em metal vil.

?  O que melhor escrevem é o soneto.

 

 

[1] Os Espasmódicos.

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2768
Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 325-326.