Virtual Archive of the Orpheu Generation

Databases Fernando Pessoa

Fernando Pessoa - Literary Theory

This digital edition of texts by Fernando Pessoa deals with the set of poetic theorizing writings from hisArchive and brings together essays, comments, notes, sketches and fragments about literature from the Portuguese author. The documents transcribed are in Fernando Pessoa’s Archive in the custody of the National Library of Portugal, with quota E3. All facsimiles are accompanied by a critical lesson and a paleographic transcription, which is available for download in the “PDF” field.

 

 

Medium
Fernando Pessoa
BNP-E3, 18 – 62
BNP-E3, 18 – 62
Fernando Pessoa
Identificação
[Sobre “Octávio” de Vitoriano Braga]

[BNP/E3, 18 – 62]

 

I.

 

Propomo-nos determinar qual o valor do drama “Octávio”, de que é autor Vitoriano Braga.

Como, nas coisas que são da arte, o gosto é que é juiz, porém não há de ser o nosso gosto, que não pode ser juiz pelo alheio, nem o gosto de uns, porque não pode ser juiz pelo de outros, senão um gosto que a todos possa dar leis, e que traga consigo as razões da sua aceitação, temos que uma determinação daquelas tem que assentar em princípios, aos quais se reconheça o carácter de objectivos. E como em matéria de arte e de gosto, nem há ciência, a que nos acostemos, nem autoridade que valha como ciência, temos que estabelecer quando e como os princípios de que nos sirvamos e fazendo-os assim pela demonstração, demonstrando-os por meio do raciocínio e, como têm que ser objectivos e por isso demonstrar, têm que assinalar quais eram os critérios. Têm que ser legisladores e reger, por leis de que somos executores. Querendo ser Artistas, temos que ser primeiro filósofos de arte. Temos de ser legisladores e muito sábios.

Em três partes, portanto, se divide a determinação objectiva do valor do drama, em cujo exame vamos empregar-nos: primeiro, que espécie de drama é ele; segundo, quais são os princípios objectivos per meio dos quais se saiba a força ou valor de um drama dessa espécie; terceiro, aplicados esses princípios ao drama, de que se trate[1], que valor, então, tem ele?

Daremos a este estudo o enredo e o argumento que esta divisão impõe.

 

II.

 

Dois são os géneros literários, que servem de presentar acções: o narrativo, que as presenta como se no-las contassem; e o dramático, que no-las presenta como se as presenciássemos.

Deixando agora o primeiro, de que aqui não temos que curar, vemos que o segundo compreende três espécies.

Como o drama é um género da arte literária, e nos fins de toda arte, quaisquer que sejam eles, forçosamente[2] há de caber o de interessar, não sofre dúvida, desde logo, que pode haver três espécies de drama, conforme[3] as 3 razões precisas por que dê interesse[4]. Pode o drama ser feito para, essencialmente, interessar-nos como literatura; ou só por interessar-nos; ou como acção, isto é, exclusivamente como drama. À primeira espécie pertence o drama em verso, assim como o drama simbólico; um subordina a acção à intensidade da poesia e à veemência[5] da dicção; o outro a subordina ao sentido oculto, que a acção serve de figurar. À segunda espécie pertencem a baixa-comédia e a farsa, que se servem da acção só como meio de interesse; e como o simples interessar, sem outro motivo, forçosamente se reduz a entreter, e o simples entreter não mais importa que alegrar e distrair, essa espécie do drama não pode ser senão cómica, como é. À terceira espécie, finalmente, pertence todo o drama em que o interesse reside, essencialmente, na acção, e, como o interesse de uma acção, como só tal, está em que pareça exactamente a vida, não suporta esta espécie do drama exagero algum, nem para, como no drama em verso, o elevar acima da vida, nem para, como na farsa, o trazer abaixo da realidade[6]. À primeira espécie chamaremos transferida, à segunda deformada, à terceira representativa.

O drama, em que vamos empregar a nossa análise, pertence à terceira destas espécies. Só dela, portanto, curaremos.

 

[1] trate/a\

[2] forçosamente /perenemente\

[3] conforme /segundo\

[4] por que dê interesse /em que reside o interesse da obra\

[5] subordina a acção à intensidade da poesia e à veemência /interpreta pelo que a poesia dramática tem\

[6] da realidade /d’ella\

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2372
Classificação
Literatura
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1966, pp. 85-87.