Nascido numa família de comerciantes e proprietários rurais do Alto Douro, escreve os versos mais antigos que se lhe conhecem aos quinze anos, e logo depois participa em efémeras revistas literárias no Porto, com seu irmão Augusto, Júlio Brandão e outros. Em 1888 inicia estudos de Direito em Coimbra, em idade tardia para o habitual na época: Alberto de Oliveira (1873-1940), amigo e companheiro de versos, por exemplo, entra com quinze anos; outros contemporâneos de Coimbra são Eugénio de Castro (1868-1944) e Camilo Pessanha (nascido também em 1867, como Nobre e Raul Brandão), Vasco da Rocha e Castro, Agostinho de Campos e António Homem de Melo (que haveria de ser pai do poeta Pedro Homem de Melo). É relevante mencionar estes nomes porque a geração de Coimbra, mais tarde dita de 90, se envolveu em aventuras literárias, nomeadamente aquelas de que temos registo nas revistas Bohemia Nova e Os Insubmissos, publicações juvenis com um lado jocoso, trocando galhardetes entre grupos rivais – mas o riso cobre polémicas acerca de tipos de verso, de ritmo ou de acentuação (como a importante querela sobre a técnica do alexandrino trímetro), revelando conhecimento actualizado do que se fazia na poesia francesa coetânea. De facto, inovações poéticas trazidas por Victor Hugo e pelos poetas simbolistas franco-belgas chegavam a Coimbra através de revistas, permitindo aos jovens portugueses citar versos de Laforgue, Viellé-Griffin e outros; a isto acrescem as direcções temáticas que os poetas francófonos estão a desenhar, num movimento que alastra pela Europa – o Simbolismo. Durante os anos lectivos passados em Coimbra, António Nobre participa nas revistas, e torna-se conhecido por extravagâncias de dândi (traje académico ressuscitando peças caídas em desuso; acessórios que mais tarde Alberto de Oliveira descreveria como da sua “idade do ferro” – botões de punho e alfinete de gravata feitos de pregos retorcidos), que os lentes parecem não ter apreciado. Depois de duas reprovações seguidas, matricula-se na Sorbonne, em Paris, para prosseguir os estudos. O episódio da documentação pedida no consulado, então chefiado por Eça de Queirós, dá azo a uma carta (a Alberto de Oliveira, nº46 Correspondência, 2ªed., 1982) de excepcional qualidade, exemplar do alto nível estilístico da correspondência que abundantemente Nobre produziu ao longo da sua curta vida; este epistolário é, aliás, relevantíssimo para se conhecerem os seus gostos literários e artísticos, pois contém, além de elementos pertinentes para a biografia, informações sobre autores lidos e pessoalmente conhecidos. Interrompidos os estudos por dificuldades monetárias, passa o ano lectivo de 92-93 na casa da família no Seixo, regressando a Paris para se licenciar em Dezembro de 1893. Em 94 faz concurso para cônsul, mas não chega a ocupar o posto que lhe é atribuído (Pretória), pois aqui se inicia um calvário de doença que o acompanhará até ao fim: constipações sucessivas e pulmões atacados acabarão por levar ao diagnóstico de tuberculose. Procura melhoras em sanatórios suíços, na casa familiar do Seixo ou na do irmão Augusto na Foz, na zona saloia perto de Lisboa, e em viagens que a medicina da época pensava ajudarem os doentes do peito (de transatlântico, até aos Estados Unidos; em 1898, estadia na Madeira, e ainda viagem por barco para regressar aos sanatórios alpinos). Cada vez mais fraco, passa os últimos meses de novo entre o Seixo e a Foz, no Porto, onde acaba por falecer. Estes elementos biográficos são relevantes por duas razões: primeiro, porque se trata de um percurso comum a muitas outras personalidades deste anos finisseculares, quando se desconhece o tratamento para o bacilo de Koch; segundo, e sobretudo, para contrariar a ideia de que o (1892, 1ªed., e 1898, 2ªed.) é “o livro mais triste que há em Portugal” (verso de “Memória”, destacado em cinta das sucessivas edições da Livraria Tavares Martins), pois foi escrito por um tuberculoso – ora os poemas que compõem o livro, tanto na editio princeps como na 2ª, foram escritos antes das manifestações da tísica. A doença de que no livro se fala é “da Alma”, muito dentro da poética simbolista e finissecular, em que se inscreve; alguns poemas com marcas experimentais visíveis são mesmo bastante anteriores à data da 1ªedição – sirva de exemplo “Ca(ro)da(ta)ver(mibus)”, que Nobre publicou em 1883 na revista portuense A mocidade de hoje, poema no qual, a partir do próprio título, se nota já um trabalho sobre a linguagem que os modernismos virão a tratar. Em vida, Nobre editou apenas um livro – o já aludido , publicado em 1892 em Paris por Léon Vanier (editor de Verlaine, Mallarmé, Rimbaud e outros, como se lê na contracapa do ); revista profundamente esta edição, sai em 1898 a segunda, consolidando uma poética muito autoconsciente e autocrítica; as alterações, radicais, mostram um trabalho poético multímodo, tanto nos cortes e acrescentos, como na minuciosa revisão dos poemas, acentuando a composição do livro como edificação complexa de um sujeito, através da ordenação em secções que constituem uma biografia mítico-simbólica, tudo em versos tecnicamente perfeitos. Postumamente viram a luz Despedidas (1895-1899), contendo os poemas escritos depois da primeira edição do , e Primeiros versos (1882-1889); há ainda vários volumes de cartas, de que deve dar-se destaque à Correspondência (1967; 2ªed. revista e aumentada, 1982) editada por Guilherme de Castilho. Considere-se ainda Alicerces, seguido de Livro de Apontamentos, que Mário Cláudio editou em 1983, escritos em que é possível ver in fieri processos depois muito trabalhados: o uso da terceira pessoa para se referir ao eu, criando-se como personagem, já marcada por um misto de dandismo e de narcisismo; as listas, prenunciando as ladainhas e as metáforas em cascata e pondo em cena os auxiliares de memória que subjazem ao sábio uso da hipotipose e da apóstrofe, recriando tudo o que foi e não volta mais; a requintada estesia das emoções, dada retoricamente pela distanciação entre o sujeito que escreve e a matéria escrita. Costuma aliás dizer-se, erroneamente, que a poesia de Nobre é simples, directa e fácil – mas tal só pode pensar-se se não se considerar a literatura como trabalho poético, construção retórica e poética de efeitos. Basta para tal ver, na esteira das experimentações de juventude, o muito elaborado uso do alexandrino, em particular nos poemas em que ele alterna com o decassílabo ou com versos mais curtos; ou então atente-se na variedade de estrofes (em diversos poemas criando um efeito coral, de duas vozes que se respondem em eco; v.g., “António”: na primeira voz, quadras alternando endecassílabos e pentassílabos; na segunda voz, quintilhas partidas em dísticos e tercetos de ritmo e verso irregulares) e de formas poéticas, indo do poema longo ao soneto, ao poema paradramático (2º painel de “Males de Anto”) ou ao rimance (“Os cavaleiros”). A esta ductilidade de processos subjaz o conhecimento múltiplo da tradição: Nobre leu bem Camões lírico e épico, Garrett (presta-lhe homenagem, como a Júlio Dinis, em “Viagens na minha terra”), João de Deus e Antero ou Junqueiro; conhece bem, igualmente, o romanceiro e diversas formas de poesia popular, sacra ou profana – veja-se a presença das ladainhas, das litanias e das canções de embalar. E é devedor da Imitação de Cristo e da Bíblia em geral (daí vem a glosa do melancólico ubi sunt?; aí aprende a emulação entre Anto e uma figura crística, tratada com a tintagem crepuscular da melancolia), como da religião popular (cf. ”Lusitânia no Bairro Latino”, I, e passim). Além dos poetas franceses do Simbolismo, lidos em primeira mão com os companheiros de Coimbra, leu algum Shakespeare: ao longo do encontramos Lear, Macbeth e sobretudo Hamlet, o príncipe da melancolia, cuja alma mais profunda só ele mesmo vê; “Meses depois, num cemitério”, segundo painel de “Males de Anto”, começa por ser um pastiche da cena de Hamlet com o coveiro; e há um muito simbolista “Enterro de Ofélia” (de que “Santa Iria” é variação, combinando a matriz shakespeariana com o rimance recolhido por Garrett).

é um livro de artiste, no sentido da mais avançada estesia simbolista; reside porventura aí muito do que levou ao interesse dos de Orpheu pelo poeta de “Purinha”. De facto, António Nobre foi, na sua obra maior, antecessor dos modernistas em diversos aspectos: antes de mais, criou para si mesmo um nome e, mais, uma persona – o intervalo entre a vida e o sujeito representado complexifica-se a partir da criação de um alter ego, António, também dito Anto, esse nome a caminho do pseudónimo, entre o eu adulto que se vê como outro na infância ou na sua obscura face lunar, herói épico mas também anti-herói, ferido ou derrotado como o errante “lusíada, coitado”, assumindo as dores do mundo como uma figura crística. Na sua face frágil, o sujeito acolhe-se a uma mítica mãe ou ama, ou cria uma amada ideal, tão “purinha” que mais parece erguer-se num castelo de areia ou de nuvens; por sua vez, a amada espelha as “meninas de Portugal”, erguendo o estandarte épico a partir do trivial quotidiano que Anto vê com a tristeza dos melancólicos, ou aludindo à matriz deceptiva de Bernardim Ribeiro (cf. “Menino e moço” e passim) para tematizar o paraíso perdido da infância e o perfil solar de um eu que cada vez mais mergulha no poço de um Narciso decadente (como se lê em versos de “Males de Anto”). Sonetos há que antecipam claramente o infantilismo dândi de Mário de Sá-Carneiro (leia-se o nº3: “Na praia lá da Boa Nova, um dia, /Edifiquei (foi esse o grande mal) /Alto Castelo (…)”), ou o Sá-Carneiro e o Pessoa interseccionistas (soneto 13: “Falhei na Vida. Zut! Ideais  caídos!”), ou a encenação do sujeito cindido que tão cara foi ao Orpheu, espraiando-se na tela da memória - como em “Lusitânia no Bairro Latino”; neste poema há um passo de interseccionismo puro, quando, na secção I se procede ao inventário do que foi e já não é, e se interrompe a ladainha com um verso de outro mundo: “(…)/ Ó lugar de Roldão! vila de Perafita!/ Aldeia de Gonçalves! Mesticosa!/ Engenheiros medindo a estrada com a fita…/ Água fresquinha da Amorosa!”. Quer pelas temáticas, quer pelas técnicas poéticas, quer ainda pelo saber de versos tão trabalhados que os incautos os tomam por fáceis, o teria que ser valorizado pelos modernistas; temos disso provas claras. Sá-Carneiro compõe a sua figura de poeta como um dândi entediado muito próximo de Nobre, e dedica-lhe o poema “Anto” (em Índicios de Oiro), retrato cubista do autor daquela irónica “Canção da felicidade” que faz pensar em “Caranguejola”. Pessoa, por seu lado, testemunha a sua admiração numa peça central da história crítica do poeta da “Tísica d’Alma”(“Males de Anto”, I) – “Para a memória de António Nobre” (publicado em A Galera, 5-6, 25 Fevereiro 1915); na sua brevidade, este texto elegíaco concentra tópicos centrais da poética de Pessoa e dos de Orpheu em 1915: a consciência da língua como material poemático, o tom crepuscular, a infância como paisagem onírica e perdida, a ingenuidade muito caeiriana, um exílio mais metafísico que real, a tristeza visceral, muito antiga e sem cura. Reconhecer em Nobre a raiz e a súmula do que são os de Orpheu, afirmada naquele lapidar “Quando ele nasceu, nascemos todos nós” do texto de Pessoa, eis uma evidência crítica, hoje; mas dizê-lo em 1915, isso sim, isso é obra.

 

Bibl.: António Nobre, , reprodução tipográfica da 2ª edição (1898), prefácio e edição de Paula Morão, Porto, Caixotim, 2000; Luís Filipe Lindley Cintra, O ritmo na poesia de António Nobre, edição e prefácio de Paula Morão, Lisboa, IN–CM, 2002; Paula Morão, O Só de António Nobre – Uma leitura do nome, Lisboa, Caminho, 1991; José Carlos Seabra Pereira, António Nobre – Projecto e destino, Porto, Edições Caixotim, 2000.