António de Navarro nasceu em Vilar Seco ( Nelas ) em 1902 e morreu em Lisboa, em 1980. Em Coimbra, fez estudos de Direito, que não concluiu, vindo, depois, a diplomar-se, em Lisboa, pela Escola Superior Colonial. Foi durante algum tempo funcionário da Junta de Exportação de Algodão Colonial em Lourenço Marques, sendo mais tarde transferido para a sede desse organismo, em Lisboa.

Dois anos antes do aparecimento da presença, de que foi assíduo colaborador, António de Navarro fez parte em Coimbra, juntamente com Mário Coutinho, Celestino Gomes e Abel Almada, de um grupo provocadoramente modernista, que daria a público um “Manifesto” muito ao gosto das proclamações iconoclastas dos grupos de Vanguarda. Os autores do texto subscreviam-no sob pseudónimo, sendo o de António de Navarro Príncipe de Judá. Na parte do manifesto que lhe é atribuível, proclamava ele, em sintonia com alguns dos princípios da estética futurista: «Arte é movimento, é Universo dinâmico, é animismo veloz». Tal proclamação define-se já premonitória e emblematicamente como fundamento teórico de uma prática poética que, ao longo dos anos, frequentemente se furtou a submeter aos ditames da disciplina o dinamismo verbal que a caracterizava, não raro em risco, aliás, de derivar para o descontrole ou delírio verbal. “O braço do arlequim”, poema publicado no nº 1 da presença, tornava manifesto que a sua poesia, como Casais Monteiro viria a apontar na introdução à antologia A Poesia da “presença”, procedia «directamente do veio mais anárquico da geração de Pessoa». Se, ainda segundo Casais, a «palavra é de facto a sua perda», não deixa ela também de ser a sua salvação, nomeadamente nos poemas que publicou na revista de Coimbra, considerados pela maioria da crítica como aqueles em que mais completa seria a sintonia com as suas verdadeiras potencialidades expressivas. Estreando-se em volume em 1941, com Poemas de África, motivados pela estadia em Moçambique, só esporadicamente viria a imprimir – em Ave do Silêncio, de 1942, por exemplo – ao dinamismo do seu discurso poético a direcção que o impedisse de irremediavelmente derivar para a pura diluição versilibrista. A fase final da obra de António de Navarro, colocada sob o signo do “sebastianismo” e de um delirante nacionalismo, está, por sua vez, fora do âmbito deste Dicionário. Reitere-se, antes, a relevância da produção que deu a lume na presença, claramente inserida na continuidade da revolução operada pelo Orpheu. Em “O braço do arlequim”, vamos encontrar sinais da leitura de Mário de Sá-Carneiro: «[...]// E no arraial palhaço/ lá vai o braço/ de todos nós/ com sangue de toda a gente.» Há aqui uma clara reminiscência da penúltima estrofe do poema “16” que António de Navarro terá lido no nº 1 do Orpheu: «As mesas endoideceram feitas Ar.../ Caiu-me agora um braço... Olha lá vai ele a valsar,/ Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei...». Num outro poema, vindo igualmente a público na presença ( nº 5 ), “Bacanal”, deparamos, por outro lado, com uma referência a Salóme ( «[...]/ O ar é um bailado de Salomé,/ e a minha memória, pé ante pé,/ seus passos, suas pernas e seus braços.// [...]» ), ícone do Simbolismo, como lhe chamou Eduardo Lourenço, e que também o foi dos modernistas, herdeiros, afinal, do Simbolismo e do Decadentismo. As afinidades da sua sensibilidade com a herança simbolista, patentes também na imagística da sua poesia, ajudarão a explicar o interesse pela figura de Ângelo de Lima, a quem dedica, nas páginas da presença ( nº 31-32, de Março-Junho de 1931), um “Estudo para um ensaio”, numa escrita reminiscente dos desvios paúlicos e que encerra com um poema a que não falta um propósito  de mimetizar o estilo do autor do “Cântico – Semi-Rami”: «Meu Poeta, -- Angelus de Lima,/ o voo do teu Pavão-azu/ pousou agoiro em cima/ dum alcantil d’escombro,/ subtil, na rima/ duma Ninive de ruína e assombro!// [...]». “Charleston”, vindo a lume no nº 6 da «folha de arte e crítica» ( 18 de Julho de 1927 ), exemplifica a atracção pela vertigem e pelo paroxismo sensoriais que marcaram a geração dos loucos anos 20: «O jazz/ zurze, risca, losangos, gumes,/ planos, ângulos, sonoros motes/ [...]». A identificação com o presente, cheio de dinamismo e vibração, justifica plenamente a presença de António de Navarro no Cancioneiro onde se reúnem os nomes mais representativos da família modernista em 1930, por ocasião do I Salão dos Independentes, em Lisboa.

Fernando J.B. Martinho

 

Bibliografia: A Poesia da Presença, apres. crítica, sel., notas e sugestões para análise literária de Maria Teresa Arsénio Nunes, Lisboa, Seara Nova/ Comunicação, 1982; Óscar Lopes, “António de Navarro”, Entre Fialho e Nemésio: Estudos de Literatura Portuguesa Contemporânea II, Lisboa, Imprensa Nacional.Casa da Moeda, 1987, pp.701-703; F.J. Vieira Pimentel, “António de Navarro: O Grito ( Irreprimível... ) do Génesis”, “Presença”: Destino e Labor de uma Geração ( 1927-1940 ), Coimbra, Angelus Novus, 2002, pp.93-118; Martim de Gouveia e Sousa, O Essencial sobre António de Navarro, Lisboa, Imprensa Nacional.Casa da Moeda, 2007.