Antero não será uma referência estética dos nossos modernistas, embora a sua grandeza seja aceite e o seu nome conste dos que sobrevivem ao século XIX, ao lado de Garrett (mais o prosador do que o poeta), de Cesário Verde e de António Nobre. No entanto, embora no conjunto dos seus escritos sobre poesia e estética se lhe refira de forma episódica, inscrevendo-o entre os nomes que contribuíram para uma mudança no gosto poético clássico, sabemos que lhe preferiu Guerra Junqueiro, nos textos de A Águia sobre a nova poesia portuguesa (1912), entre outros cujo valor não atinge o nível dos Sonetos. Mas o que terá ficado da sua herança no nosso Modernismo terá sido essa forma sonetística, que Pessoa e Sá-Carneiro cultivaram; quanto à dimensão filosófica e religiosa da sua poesia não terá impressionado os poetas do Orpheu, que procuraram outros modelos. Lido foi, sem dúvida; mas só uma coincidência temática, através do gosto pela noite e por cenários naturais de inspiração romântica, poderá coincidir episodicamente com algumas passagens das odes de Pessoa ou da sua poesia de inspiração esotérica, ou com o confessionalismo autobiográfico de Sá-Carneiro.

Apesar disso, que já não é pouco, Pessoa situa Antero entre os Mestres da poesia moderna portuguesa. Nalguns fragmentos inéditos, publicados no n.º 8 da revista Colóquio/Letras (Jul. 1972), afasta os sonetos anterianos do que ele designa como «ilusão romântica» pela sua «maneira de escrever» clássica e, sobretudo, por ter sido pensador de «real capacidade metafísica». Descreve-o como alguém que vive a «alegria» do seu pessimismo, num exacerbamento que irá tornar a «sua fé mais desoladora do que a sua descrença». Talvez por este motivo, Pessoa lamenta a destruição que Antero fez dos seus últimos poemas, considerando-a uma perda «completamente irreparável – a das últimas poesias pessimistas (…) que ele próprio fez desaparecer, queimando-as». Não sabemos se este facto é real, mas o que é certo é que terá sido também a relação deste pessimismo de Antero com o de Nietzsche que pode contribuir para uma recuperação desse Antero que, por outro lado, sofre da sua queda para encontrar no Cristianismo (bête noire de Pessoa) um refúgio para os «períodos de tristeza e de abatimento».

Estes óbices não impedem Pessoa de o situar entre os três poetas do século dezanove – e «três somente», como ele sublinha – «a quem legitimamente compete a designação de mestres». Refere-se a Antero, Cesário e Pessanha. A ordem não é despicienda dado que corresponde a um patamar estimativo que tem como suporte três distintivos de cada um deles: a «poesia metafísica» de Antero, a «poesia objectiva» de Cesário e a «poesia do vago e do impressivo» de Pessanha. E é com este último que Pessoa se identifica ao dizer: «O mais, que é tudo, é Camilo Pessanha».

Temos, porém, um outro sinal de adesão à poética de Antero, desta vez através de uma relação com a filosofia da natureza de Alberto Caeiro, na antologia de poesia portuguesa organizada por Pessoa e António Botto, em que o poema seleccionado de Antero é não um dos sonetos mas Panteísmo. Os prefaciadores situam o nascimento da modernidade na escola de Coimbra, com a afirmação polémica de que «Portugal poético, como nação independente, adormeceu com Gil Vicente e metade de Camões, e despertou só com Antero.» Isto explica-se porque «Antero é discípulo da filosofia alemã, porém a poesia de Antero não é discípula de coisa alguma».

Referências já não demasiado ténues para que possamos falar de uma influência significativa de um poeta cujo percurso de reconhecimento se vai fazendo um pouco à margem de todas as grandes correntes poéticas do século XX.

 

 

Nuno Júdice