Annie Wood (1847-1933), londrina ( depois de divorciada do reverendo anglicano Frank Besant devido às suas convicções sobre os direitos das mulheres, o secularismo e o ateísmo), ligou-se em 1874 com o livre-pensador Charles Bradlaugh (1833-1891, estando a biografia dele, por John M. Robertson, na biblioteca de F. P.) e passou a escrever no National Reformer, publicando com ele, em 1877, o Freethinker’s Text-Book, onde comparam os dados da Bíblia com os da ciência e deduzem, do panteísmo de Espinosa, o ateísmo monista (elogiado por J. M. Robertson como a grande realização de Bradlaugh). Apoiam a luta dos irlandeses oprimidos e viajam muito, fazendo conferências e participando em encontros. Mas Besant, insatisfeita, passa em 1884 a ouvir melhor os movimentos socialistas, que o individualista Bradlaugh criticava, e a compreender que o livre-pensamento, o liberalismo, o radicalismo a pouco levavam e que melhor seria o socialismo. É de relembrar que em F. P., embora seja conhecida a sua posição anti-socialista, há na sua juventude afirmações socialistas, tal a de que «é enquanto socialista que escrevo contra eles, é como socialista que protesto contra a invasão no meio social, na humanidade que queremos desenvolver, desta infâmia em livros, destas obscenidades imprimidas...» (143-89, td., in M. R. C. I.)

Adere em 1885 ao socialismo, à Sociedade Fabiana, uma organização, onde se ligou e trabalhou com Bernard Shaw (para o Álvaro de Campos do Ultimatum «charlatão da sinceridade e artista menor»), que chegou a dizer que A. Besant «era a maior oradora em Inglaterra e talvez na Europa», e convive com William Morris, que dirigia uma Liga Socialista. Jornalista, conferencista e activista dos direitos dos trabalhadores e humanos, mas desassosegada («a posição socialista era suficiente para o lado económico, mas onde ganhar inspiração, a motivação, que levaria à realização da Fraternidade Humana?», depois de uma breve passagem pelo espiritismo, torna-se uma decidida discípula da teósofa H. P. Blavatsky após fazer em 1889 a crítica ao seu livro The Secret Doctrine, confessando que ao lê-lo tivera um flash de iluminação e de certeza «que a própria Verdade estava encontrada». De notar, que também F. P., em carta a Sá Carneiro, em Dezembro de 1915, ao traduzir obras de teosofistas, confessar como elas o impressionaram.

Depois de ter participado no I Parlamento Mundial das Religiões, em 1893, em Chicago, A. Besant chega à Índia em 1894 e inicia uma apaixonada obra de valorização da cultura indiana e de melhoria das condições educativas e sociais, em simultâneo com os estudos e divulgações teosóficos. Em 1897 funda o Colégio Central Hindu, donde nascerá 14 anos mais tarde a Universidade Hindu. Em 1907, por falecimento de Olcott, ao vencer a luta nos bastidores contra o americano Q. Judge, é eleita Presidente da Sociedade.

Em 1909/10 nasce a aventura do aguardado instrutor Mundial, o Messias, «o Segundo Advento declarado pela Teosofia», que F. P. atento regista (125B-43), descoberto por C. Leadbeater (o outro dirigente da Sociedade), em Adhyar, arredores de Madrasta, no jovem indiano Jiddu Krishnamurti, confirmado por Besant. Em 11/1/1911 funda-se mesmo em Benares a Ordem da Aurora, depois designada por Estrela do Oriente, para o acompanhar, com rituais e orações de poder, com seguidores em Portugal e que F. P. conheceu.

Apesar de viver e viajar na Índia desde 1893, proferiu centenas de conferências pelo mundo, publicando cerca de 300 livros e folhetos valorizando não só os ensinamentos esotéricos do Hinduísmo como os das outras religiões e, a partir de 1914, luta pela auto-determinação do país, chegando a estar presa pelos seus compatriotas, e em 1917 é a presidente do Congresso Nacional Indiano. Também na Maçonaria dos Direitos Humanos subiu aos mais altos graus e em 1913 era a grande mestra da Co-Maçonaria britânica, certamente sem a aquiescência de F. P. (que na altura escrevia «nós, neo-pagãos portugueses (...) rejeitamos o feminismo, porque pretende igualar a mulher ao homem e conceder à mulher direitos políticos e sociais», 21-4), e onde declarava «a Co-Maçonaria Universal restabelece o costume imemorial de admitir, em pé de igualdade, os homens e as mulheres nos Mistérios dos quais derivou a Franco-maçonaria, fundados sobre a Fraternidade, a Verdade e a prática de todas as virtudes morais e sociais». Também em relação à Igreja Católica Liberal, uma criação teosófico-maçónica, onde Leadbeater fora consagrado bispo para a Australásia, A. Besant previa em 1916 que «é uma Igreja Cristã viva, que crescerá e se multiplicará com os anos e que terá um grande futuro diante dela; está verdadeiramente chamada a ser a futura Igreja da Cristandade quando Ele vier». “Ele”, ou seja, o Messias, o novo Instrutor Mundial, Krishnamurti, que contudo desde 1929 recusará tal, autonomizando-se. Terá havido alguma influência deste movimento na viagem de F. P. pelo mito do V Império, já que dele foi sendo informado (pelos livros e revistas teosóficos) e tanto mais que os ingleses tinham a tradição da Quinta Monarquia (uma obra assim intitulada está mesmo na biblioteca de F. P., de Eric Waddington), e que A. Besant apressara-se a levar o jovem Krishnamurti para estudar na Inglaterra?

Até morrer em 20/9/1933, animada pelo seu humanitarismo, Besant continuou a escrever, notando-se que a primazia do Budismo e o menosprezo do Cristianismo e de Jesus, frequentes em Blavatsky e Olcott, são substituídos por uma valorização do Hinduísmo e do Esoterismo Cristão, título aliás de uma obra, já de 1901, que F. P. pode ter lido (tanto mais que foi saindo desde 1924 na revista teosófica lisboeta Ísis,) e que contém algumas ideias que surgem em escritos seus mas que também encontrou noutras  leituras, como nas de J. M. Robertson, o racionalista e livre-pensador que muito influenciou o jovem F. P. (vinte e uma obras na sua biblioteca) na depreciação de Jesus (que não teria existido), do cristianismo («cristismo») e do misticismo.

O livro de A. Besant que F. P. traduziu, em 1915, foi Os Ideais de Teosofia, um dos que lhe terá causado a forte impressão descrita na carta a Sá Carneiro, de 6/12/15 («a possibilidade de que ali, na Teosofia, esteja a verdade real me hante»)  mas cujos aspectos internacionalistas, humanitários e divulgativos do ocultismo («a Teosofia, como é próprio de esperar da nossa época, é apenas uma democratização do hermetismo» 54A-86) o desencantaram rapidamente levando-o a escrever  textos críticos, dois deles algo dramatizados («urge expor do modo mais claro e preciso qual é, segundo a ciência esotérica verdadeira, a constituição real do Universo») e intitulados Princípios de Metafísica Esotérica, sob o heterónimo Raphael Baldaya, astrólogo e navegante dos novos Descobrimentos às ordens do Senhor da Ciência, o Infante D. Henrique, onde critica a Teosofia por pretender ser tanto a religião da Verdade, «depositária das antigas doutrinas ocultas», como «representar uma comunicação para o exterior feita pelos chamados Mestres» (54A-85).

Discordava F. P., dos teósofos se obrigarem a praticar todos os dias um acto de dedicação, o que levava a que «a Teosofia fosse um sistema criador de mulheres» (54A-74), bem como da excessiva homogenização dos teósofos e da sua subordinação aos chefes ou líderes, no que seria quase como uma alucinação colectiva (15B1-55). E também da continuidade da Tradição no que a Teosofia apregoa: «Invocam os teosofistas a íntima continuidade da tradição hermética ou esotérica. Segundo Mrs. Besant (quote here the due part of the Ideals of Theosophy). Infelizmente o estudo da literatura ligada à exposição, propositadamente confusa, das teorias que formavam a base metafísica das sociedades secretas como os Rosa-Cruz – infelizmente esse estudo revela princípios fundamentais que, qualquer que seja o seu sentido simbólico, se não casam de modo algum com as teorizações teosóficas» (54A-86), nomeadamente a da igualdade dos sexos, o valor supremo do trabalho pela Humanidade, e o da Fraternidade, algo que para o então neo-pagão F. P., a começar a reconhecer a tradição  oculta ocidental, eram aspectos decadentes. Lembremos porém um texto posterior sobre o V Império em que já aceita melhor tal aspecto: «a nossa índole nos prepara para aquela fraternidade universal que a teosofia anteprega, e que é, de há tanto tempo, a doutrina social íntima dos Rosa Cruz» (125A-12).   

Ao longo dos anos, a ainda pouco compreendida relação de F. P. com a Teosofia não o impediu, apesar das mais numerosas críticas, tal ao seu carácter filosófico «que, por tipicamente vago e lato, se adapta perfeitamente à ciência moderna» (54A-74) ou ilusório e até mal escrito («aquele ramo de ocultismo aonde não se sabe gramática»), de a citar uma ou outra vez positivamente, tal: «à passagem da actividade inferior, para a superior, do espírito, dão os hindus o nome velador de O Caminho, ou A Senda. Não tem outro sentido este termo, tão vulgarmente empregado na literatura budística ou teosófica. Assim se explica a expressão atribuída a Krishna –“torna-te tu próprio o caminho” –, isto é, concentra a tua actividade na carreira ascensional dentro de ti próprio, torna-te todo a “direcção pura” de subires dentro de ti» (15-3-91). E em 1924 escrevia à editora teosófica francesa Adhyar pedindo uma história dos rosacruzes, pelo maçon Wittemans, agradecendo a continuação do envio dos catálogos para o seu apartado 147. Este pedido está, aliás, de acordo com uma opinião expressa então: «Desde que há livros, portanto, há livros de ocultismo. Esses livros, porém, ou eram escritos por ocultistas que, não podendo revelar deveras suas doutrinas, os faziam em certo grau esotéricos, e por isso nesse mesmo grau incompreensíveis ao leitor vulgar; ou eram puras compilações exteriores, filhas de um interesse erudito, ou crédulo, que poderia ajuntar mais factos, porém não explicá-los melhor, que qualquer dos seus leitores. As publicações teosóficas vieram fornecer, tanto quanto é possível, uma transcrição exotérica das doutrinas ocultas, por meio da qual se podia até certo ponto compreender os fenómenos, conhecimentos e poderes ocultos, os fins das sociedades místicas e, em certo modo, reler mais inteligentemente os tratados» (54-50).

Nos últimos anos de vida, tanto o seu amadurecimento espiritual como a sua aproximação e à Sabedoria amorosa e à morte libertadora, transmutaram tendências e críticas, e assim aceita o que A. Besant compassivamente aplaudiria, «ninguém se liberta senão criando em si a dedicação ao universal, ao múltiplo outrem. Querer libertar os outros é a condição essencial de nos querermos libertar a nós. É com o amor que a liberdade se compra» (53A-45).

 

Obras de A. Besant, João Antunes, René Guénon (Le Theosophisme. Histoire d’une pseudo-religion. Paris, 1921), José Barreto (sobre J. M. Robertson, in Arca de Pessoa. Novos Ensaios. Lisboa, I. C. S., 2007), revistas Ísis, Eleusis, Sophia, e The Theosophist. Ver entradas Blavatsky e C. Leadbeater.

 

 

Pedro Teixeira da Mota