Casais Monteiro é um crítico literário dos mais importantes do século XX português, e também poeta relevante. Entra em 1931 para a direção da revista Presença, que dirige até 1940 com Gaspar Simões e José Régio. Perseguido pelas suas posições políticas de oposição ao regime do Estado Novo, é afastado compulsivamente do ensino em 1936. Em 1954, exila-se no Brasil.

A incontornável associação do nome de Adolfo Casais Monteiro ao de Pessoa deve-se a uma multiplicidade de factores, embora não possa deixar de se reconhecer a primazia de um deles: a circunstância de ter sido a Casais Monteiro que Pessoa dirigiu a famosa carta acerca da génese dos heterónimos. Datada de 13 de Janeiro de 1935, com um Post Scriptum de 14 de Janeiro, a missiva é, sem dúvida, o texto mais importante de um notável conjunto de doze que constituem a correspondência entre os dois poetas (i. e., onze cartas e um bilhete-postal, entre 11 de Janeiro de 1930 — data da primeira carta de Fernando Pessoa — e 30 de Outubro de 1935 — data da última carta de Pessoa, inacabada), publicada integralmente, pela primeira vez, em A Poesia de Fernando Pessoa (2ª edição: ed. José Blanco, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985; a versão primitiva deste livro, que reúne os porventura mais relevantes ensaios de Adolfo Casais Monteiro dedicados à obra de Fernando Pessoa, foi dada à estampa no Rio de Janeiro, em 1958, pela Livraria Agir Editôra, com o título Estudos sobre a Poesia de Fernando Pessoa) e, posteriormente, no volume Cartas entre Fernando Pessoa e os Directores da presença (ed. Enrico Martines, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998). E se da leitura da mencionada carta é possível depreender que o seu próprio autor lhe reconhecia assinalável interesse, antevendo a possibilidade de ela vir a ser reproduzida (veja-se, particularmente, o Post Scriptum), a verdade é que o destinatário também lhe virá a dedicar ampla atenção, publicando-a (com supressão do parágrafo acerca do ocultismo), no número 49 da Presença, em Junho de 1937, com um desenvolvido comentário («Sobre a Carta que Antecede»), no qual afirma ser a carta de Fernando Pessoa, mais do que um documento, «sob vários pontos de vista, uma obra excepcional, anormal até, na literatura portuguesa». De facto, importa sublinhar que esta «obra» se institui como resposta a uma missiva anteriormente (10 de Janeiro de 1935) dirigida por Casais Monteiro a Pessoa, na qual lhe solicitava esclarecimentos não apenas acerca da génese dos heterónimos, como igualmente sobre a sua posição face ao ocultismo e sobre um futuro plano de publicação da sua poesia — revelando, a este propósito, a sua intenção em dedicar um estudo à obra poética do seu interlocutor («continuo a pensar no estudo sôbre a sua poesia»).

Na verdade, o propósito referido — que Casais Monteiro irá repetidamente concretizando no decurso da sua longa e prolífica actividade ensaística, talvez a mais relevante, pela sua profundidade e inteligência, da geração presencista — indiciava não só um real interesse pela obra pessoana, como a construção de um percurso reflexivo, a partir do contacto com os textos disponíveis na época, percurso que se teria iniciado, provavelmente, em 1925, com as primeiras leituras da poesia de Pessoa (veja-se o testemunho do próprio Casais em: Clareza e mistério da crítica, introdução de Leyla Perrone-Moisés, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998: 58; primeira edição: Rio de Janeiro, Editora Fundo de Cultura, 1961). Assim, é possível encontrar referências a Fernando Pessoa, já em 1929 — num ensaio intitulado «Mário de Sá-Carneiro», dado à estampa nas páginas da Presença (nº 21, de Junho, Agosto; Casais inicia a sua colaboração na revista conimbricense em 1928, com um texto «Sôbre Eça de Queirós» — nº 17, Dezembro —, o que não o impede de ainda vir a figurar nas páginas de A Águia) — e, em 1930, num outro texto, igualmente publicado na mesma revista, com o título «Mais Além da Poesia Pura» (nº 28, Agosto-Outubro, pp. 5-7). O contexto em que o nome de Pessoa surge é o da reflexão em torno da poesia moderna (e de noções como as de poeta «modernista» ou «moderno»), tópico, aliás, comum a outros ensaios sensivelmente da mesma época que virão a ser reunidos, tal como acontecerá com estes dois, no volume de 1933 intitulado Considerações Pessoais. Data, aliás, de 26 de Dezembro desse ano de 1933 a segunda carta que Pessoa endereça a Casais Monteiro, na qual dá conta não apenas da recepção da obra deste, como também da reacção à recensão negativa que Casais — demonstrando uma notável autonomia crítica, apesar da confessada admiração pelo poeta — fizera ao prefácio de Pessoa à obra Acrónios, de Luiz Pedro, recenseada na Presença 35, Março-Maio, 1932); recorde-se, a este propósito, que Casais enviara também a Pessoa, com elogiosa dedicatória, o seu primeiro livro de versos — Confusão, de 1929 —, onde figura o poema Ladainha, igualmente dedicado ao poeta (a recepção do livro suscitará a Pessoa a redacção da sua primeira carta a Casais Monteiro). E será ainda sob a égide de um pensamento acerca da modernidade que Casais Monteiro publicará, após a Introduction à la Poésie de Fernando Pessoa (Lisbonne, Institut Français au Portugal, 1938), alguns dos ensaios posteriormente recolhidos no volume De Pés Fincados na Terra. Ensaios (1940), onde a figura de Pessoa continua a ser objecto de referência exemplar dessa mesma modernidade, ou, pelo menos, «cuja obra [juntamente com a de Mário de Sá-Carneiro] é por assim dizer a encruzilhada de todos os caminhos da poesia contemporânea», — conforme afirma em «Sobre o “Moderno” e o “Eterno” na Poesia Portuguesa Contemporânea», de 1939. Por outro lado, não pode deixar de sublinhar-se, para além da referida actividade ensaística desenvolvida até 1942, o importante marco que constitui, para a recepção da poesia de Fernando Pessoa, a publicação, neste ano, da primeira antologia da obra pessoana, precisamente organizada por Casais Monteiro, em dois volumes. No primeiro, dedicado à poesia de Fernando Pessoa «ele-mesmo» (intitulado simplesmente Fernando Pessoa, e dado à estampa pela Editorial Confluência em 1942), incluía-se uma extensa «Introdução» da responsabilidade do próprio Casais, a famosa «Tábua Bibliográfica» publicada por Pessoa no nº 17 da Presença (Dezembro, 1928), e um conjunto significativo de poemas recolhidos sobretudo de revistas onde Pessoa colaborara (mas também um inédito, diversos textos da Mensagem e traduções). No segundo volume (Fernando Pessoa. Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos), para além da republicação da «Carta de Fernando Pessoa sobre a Génese dos Heterónimos» e das «Notas para a Recordação do meu Mestre Caeiro» de Álvaro de Campos, incluía-se uma escolha de poemas dos heterónimos publicados em revistas. Data de 1945 uma segunda edição destas antologias, agora reunidas num só volume, sob o título Fernando Pessoa. Para além desta modificação, o texto introdutório de Casais Monteiro sofre alterações, reflectindo o início da publicação das Obras completas pelas Edições Ática, e o número de poemas em antologia aumenta. A estampagem de uma terceira edição (em 2006, em Lisboa, pela Editorial Presença), que «reproduz integralmente» a segunda, veio demonstrar não apenas o interesse que a poesia de Pessoa continua a despertar, como, também, o apreço pelo trabalho de Casais Monteiro.

Ainda no plano da divulgação da obra de Pessoa, deve referir-se a preparação que Casais leva a cabo de uma versão brasileira da antologia pessoana, cuja primeira edição é dada à estampa no Rio de Janeiro, em 1957. Este trabalho conta, para além de uma «Apresentação», com uma «Bibliografia do Autor» e com uma «Bibliografia sobre o Autor», acrescentando-se ainda excertos de textos assinados por José Régio, João Gaspar Simões, Lúcio Cardoso, Eduardo Lourenço e Pierre Hourcade. Um «Questionário», de evidente vocação didáctica, encerra o volume.

Antes de 1954, Adolfo Casais Monteiro publica em volume, ainda em Portugal, para além dos Poemas Inéditos Destinados ao nº 3 do «Orpheu» (com um prefácio por si assinado, em Lisboa, pela Editorial Inquérito, no ano de 1953), dois importantes ensaios: o primeiro data de 1952 e intitula-se Fernando Pessoa e a Crítica (Lisboa, Editorial Inquérito); tal como referia a badana que o acompanhava, tratava-se de «Uma crítica... aos críticos!», e nele se passavam em revista, com a acutilância que sempre caracterizou a pena do autor, a produção crítica mais significativa que sobre Pessoa se havia publicado até à data. O segundo, intitulado Fernando Pessoa o Insincero Verídico, foi igualmente publicado pela Editorial Inquérito, no ano de 1954, e constitui um texto de grande fôlego crítico, onde o ensaísta procura conciliar o problema da sinceridade (tópico que obtivera assinalável aprofundamento na produção ensaística presencista) com a estética pessoana. Ambos os ensaios são legíveis, na sua versão revista, no já citado A Poesia de Fernando Pessoa. Este livro, de capital importância, reúne também diversos artigos, dedicados a Fernando Pessoa, que Casais Monteiro foi publicando no suplemento literário de O Estado de São Paulo desde 1956. As referências a Fernando Pessoa e à sua obra serão relativamente frequentes em alguma da restante produção ensaística de Casais Monteiro. Vejam-se, a este respeito, por exemplo, alguns dos textos de A palavra essencial. Estudos sôbre a Poesia (1965; 2ª ed., Lisboa, Verbo, 1972) ou, mesmo, o texto submetido à Universidade de São Paulo como tese de docência livre, intitulado Estrutura e Autenticidade como Problemas da Teoria e da Crítica Literárias (1968; 2.ª ed., Estrutura e Autenticidade na Teoria e na Crítica Literárias, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984). Na sua extraordinária dedicação à obra pessoana, Casais Monteiro, para além de leitor, de organizador de antologias e de crítico, foi igualmente tradutor. Assim, em colaboração com Pierre Hourcade, assina a tradução da Tabacaria e o texto prefacial do volume Bureau de tabac. Poème (Lisboa, Editorial Inquérito, 1952). Dois anos depois, é publicada em São Paulo, também com prefácio seu, a tradução, com Jorge de Sena, de Alguns dos “35 Sonetos” de Fernando Pessoa, numa edição do Clube de Poesia. Por fim, em 1974, as Edições Ática publicam os Poemas Ingleses. Antinous, Inscriptions, Epithalamium, 35 Sonnets e Dispersos, onde se inclui a tradução, da autoria de Casais, de oito dos sonetos.

 

Bibl.: GOTLIB, Nádia Battella, O estrangeiro Definitivo. Poesia e Crítica em Adolfo Casais Monteiro, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985; MARTINHO, Fernando J. B., Pessoa e a moderna poesia portuguesa (do Orpheu a 1960), 2ª ed., Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991.

 

João Minhoto Marques