Escritor inglês de romances policiais. Licenciado em medicina, destaca-se por ser o primeiro autor a trazer os seus conhecimentos científicos para este género. Como médico, começou por exercer funções em África, na administração colonial britânica, de onde regressou por motivos de saúde. Já em Inglaterra, foi médico da prisão de Holloway, altura em que começou a escrever romances policiais. Criou a figura do detective amador Dr. John Thorndyke, advogado, cientista forense, perito em arqueologia, egiptologia, oftalmologia, jurisprudência criminal e botânica, o primeiro perito médico-legal da ficção policial. Para a sua criação inspirou-se em Alfred Swaine Taylor, o pai da jurisprudência médica. Infalível nos seus raciocínios, como outros detectives do género, o Dr. Thorndyke baseia, no entanto, a sua infalibilidade na ciência. Os romances de que é personagem referem processos inovadores para a época, como a decifração de impressões digitais, a análise de fibras e cabelos através dos raios X e mesmo a criação de um equipamento forense que acompanha o detective na investigação criminal. Austin Freeman investigava cuidadosamente os aspectos científicos que integrava na sua ficção, tendo criado um laboratório em sua casa para ensaiar as experiências posteriormente descritas. Muitos desses processos foram mais tarde incluídos na investigação criminal de vários países. Em The Red Thumb Mark (1907) temos a primeira impressão digital da ficção. Nos romances The Case of Oskar Brodski, The Singing Bone (1912), The Shadow of the Wolfe (1925) e Mr. Pottermack’s Oversight (1930), criou outra inovação no género: a inversão da narrativa policial, isto é, a descrição do crime no início da história, seguida da investigação, esquema narrativo que centra o interesse do leitor nos processos mentais do raciocínio do detective. Austin Freeman é menos apreciado nos nossos dias. Os aspectos inovadores da sua ficção não compensam outros que ajudam a datá-lo: alguns preconceitos raciais na caracterização dos vilões, a pouca densidade das personagens, a repetição de situações. Sendo um dos autores mais populares da sua época, era lido e apreciado por Fernando Pessoa. Na sua biblioteca encontram-se as obras The Cat’s Eye, The Eye of Osiris, Helen Vardon’s Confession, The Magic Casket, The Mystery of 31 New Inn, The Shadow of the Wolf e The Surprising Experiences of Mr. Shuttlebury Cobb. No ensaio Erostratus, Pessoa refere-o nos seguintes termos:…And those of us who grow dull with the effort to read Shaw or D’Annunzio can seek refuge with Mr. W.W. Jacobs and sanity with Mr. Wills Croft and Dr. Austin Freeman (p.165). Num apontamento sobre Edgar Allan Poe, Pessoa afirma, embora tenha riscado posteriormente a frase, que Croft e Freeman eram os principais representantes da novela policiária do seu tempo. A presença dos livros de Freeman, quando tantos outros foram vendidos a alfarrabistas após serem lidos, confirma a importância que lhe era reconhecida. Mas, no entanto, Pessoa não lhe poupa críticas. No ensaio incompleto Detective Story (v.), refere-o com frequência. Reconhece-lhe a qualidade superior e o carácter inovador pela inserção de elementos científicos nas suas histórias e pela criação do enredo policial invertido. Critica-lhe a falta de imaginação: Dr. Freeman’s sterling fault is his absence of imagination. Austin Freeman, acrescenta Pessoa, repete situações, tipos de histórias, episódios românticos, momentos de emoção e tipos de criminoso. Dá, como exemplo, dois romances: A Certain Mr. Thorndyke e The Bronze Parrot. Em relação a este último romance, Pessoa acusa Freeman de copiar, de fazer um mental reprint, do conto de H.G. Wells, “The Purple Pileus”. Pessoa critica ainda o excesso de páginas: Dr. Freeman is always readable but “A Certain Dr. Thorndyke” could have been told in fifty pages. Talvez por influência deste autor, Pessoa utiliza, na novela policiária Cúmplices, impressões digitais, disparos de armas e marcas da queda de um corpo.
Crime Fiction, ed. Martin Priestman, Cambridge, Cambridge University Press,
2003.
Knight, Stephen, Crime Fiction 1800-2000, Basingstoke, Palgrave Macmillan,
2004.
The Oxford Companion to Crime & Mystery Writing, ed. Rosemary Herbert,
Oxford, Oxford University Press, 1999.
Ana Maria Freitas