O poema  Antinous, de Fernando Pessoa, foi escrito em 1915 e publicado pela primeira vez pelo seu autor em 1918, num opúsculo individual  Foi depois republicado em forma remodelada e definitiva em 1921, também por Pessoa, aparecendo em English Poems I-II, juntamente com Inscriptions, uma série de catorze epitáfios escritos dentro do espírito da Antologia Grega.

A publicação em simultâneo de Antinous (um longo poema erótico e homossexual) e de Inscriptions podia ter tido a intenção de, por um lado, minimizar o efeito do poema e equilibrar o carácter chocante do primeiro conjunto com a seriedade e serenidade da série seguinte, justificando com as inscrições tumulares à maneira grega, o lado helénico que o poeta sempre associou à tendência sexual expressa no longo poema.

Finalmente, com o tema comum da morte e uma toada grave a ligar os dois conjuntos, Pessoa conferiu unidade a esta publicação.

Este longo poema erótico de 361 versos em estrutura narrativa forma, com Epithalamium, igualmente um longo poema erótico com uma estrutura idêntica, um todo coerente e um caso único de pesquisa poética neste sentido, dentro da obra de Fernando Pessoa. Ambos faziam parte de um projecto, do qual o poeta dá conta numa conhecida carta a João Gaspar Simões (de 18 de Novembro de 1930), em que estas composições, segundo ele “os únicos poemas nitidamente obscenos”, formariam com outras três “um pequeno livro que percorre o círculo do fenómeno amoroso”. Pessoa designou esse “ciclo”, que aqui se transcreve, como “imperial”:

 ”Assim temos: (1) Grécia, Antinous; (2) Roma, Epithamium; (3) Cristandade, Prayer to a Woman’s Body; (4) Império Moderno, Pan-Eros;  (5) Quinto Império, Anteros.

Segundo o mesmo documento, os dois poemas teriam sido escritos intencionalmente para eliminar eventuais “elementos” de obscenidade que, “por pequeno que seja o grau em que existam, são um certo estorvo para alguns processos mentais superiores”.

O poeta explica ainda mais adiante que “Antinous, que é grego quanto ao sentimento, é romano quanto à colocação histórica”, insistindo na filiação grega do assunto em questão.

Realmente o tema do poema parte de uma realidade histórica que, desde a antiguidade clássica serviu de motivo para numerosas criações literárias e artísticas, pois a figura de Antínoo tornou-se, desde a sua morte, um símbolo e um ícone da jovem beleza masculina. O imperador romano Adriano, que viveu entre o ano 76 e 138 da nossa era e que foi, segundo a maioria dos historiadores, um bom governador e pacificador, foi igualmente um homem sensível, protector também das letras e das artes. Viajante incansável por dever e por prazer, conheceu numa dessas viagens um jovem bitínio que trouxe consigo, talvez como escravo, mas que passou a ser seu companheiro desde esse encontro, entre 123 e 130, data da sua morte por afogamento no Nilo, em mais uma viagem do imperador ao Egipto. A morte de Antínoo, cujos contornos ficaram sempre indefinidos, mesmo na época, tornaram a história ainda mais excitante para investigadores, escritores e artistas que, ao longo dos últimos três séculos repetidamente voltaram a ela como tema recorrente de muitas obras.

Assim F. Pessoa terá, desde cedo, tomado contacto com o assunto e decidido escrever também sobre ele em 1915, data das grandes odes em nome de Campos.

Em Antinous, esteticamente superior a Epithalamium, tudo é estático e solene, nobre e apolínio como convém a uma elegia fúnebre, obedecendo aos códigos estabelecidos para a ode esteticista, em voga neste período.

Ao contrário do Epithalamium, os versos vão-se sucedendo sem estrofes demarcadas a pontear o andamento da narrativa, mas o motivo da chuva, presente desde o primeiro verso, vai servindo de fundo e também de divisória às diferentes fases do discurso e aos núcleos narrativos em que o poema se divide. Assim, logo no primeiro verso, que aparece destacado do corpo do poema à maneira de uma introdução, o leitor é imediatamente situado na atmosfera em que decorre a narrativa e do sentimento predominante que vai definir o estado de espírito do protagonista – Em Adriano a chuva fora era na alma fria. O verso seguinte refere-se a Antínoo, seu companheiro e amante que, também em curtas palavras, é introduzido no cenário – O jovem morto jazia.

Este jovem, que dá o título ao poema e constitui o fulcro central de todo o desenvolvimento poético, funciona, não tanto como personagem principal, mas como objecto, objecto de amor, ao longo das várias sequências que percorrem os diferentes sentimentos e reacções do imperador:

o choque e o confronto com a morte inesperada; a dor e a aceitação inevitável do visível; o imaginar da vida sem o amado; o longo rever e reviver da paixão; a memória dos pequenos e grandes prazeres de sensualidade e entrega; os jogos, o vício, o requinte desse amar sem limite;  o desgosto, a raiva, a revolta até ao encontro de uma saída para a eternidade pela divinização. Entre os versos 179 e 341, numa gradação que vai do desalento à exaltação, processa-se o discurso do imperador.

Da saudade e do desejo lhe vem a ideia de divinizar para eternizar. Um amor imenso tem de ser imortal e pertencer a um corpo imortal. A presença em estátua do seu amante será uma estátua ao próprio amor, agora tornado amor-deus, amado e venerado por todos os que amam; será ainda torná-lo mais real e permanente, enganando a morte e desafiando os deuses

Para o imperador o presente agora já não é só feito de memórias do passado mas projectado num futuro para além do tempo, numa fuga ao próprio tempo irreversível e ao destino mortal para converter, tempo e destino, na eternidade olímpica.

 

Jorge de Sena, Fernando Pessoa & Cª Heterónima, Lisboa, edições 70, 1984.

 

Luísa Freire