Adriano del Valle (Sevilha, 1895 – Madrid, 1957) foi um dos animadores mais importantes da literatura espanhola nos anos vinte. Poeta e artista plástico, autor de uma importante colecção de collages, a sua poesia foi, progressivamente, modernista, ultraísta, do Veintisiete e surrealista, apesar de o seu primeiro livro (Primavera portátil, com litografias de Eugenio d´Ors) não ver a luz senão em 1934, passado já o momento climático da vanguarda.

Foi representante de maquinaria agrícola, circunstâncias que o fizeram viajar constantemente. Fez parte da redacção da revista sevilhano-madrilena Grecia, onde viveu o advento do Ultraísmo a partir de finais de 1918, participando, um ano depois, na Festa do Ultra do Ateneu de Sevilha. Foi amigo de Jorge Luis e Norah Borges. Entre 1921 e 1936 viveu em Huelva, onde partilhou interesses estéticos – como a direcção de Papel de Aleluyas – com Rogelio Buendía. Em 1933 recebeu o Prémio Nacional de Poesia com Mundo sin tranvías, a que se seguiriam Los gozos del río (1940, embora recolha uma boa parte da sua poesia ultraísta), Arpa fiel (1941) e outras colectâneas que alcançaram notável difusão nos anos quarenta e cinquenta, quando dirige a revista de cinema Primer Plano e o seu nome aparece associado à política cultural do regime franquista.

A sua amizade com Ramón Gómez de la Serna e com Eugenio d´Ors terá sido essencial para a sua aproximação a Portugal, país que visitou pela primeira vez por volta de 1921, por razões profissionais. Em Outubro de 1922 publicou uma série de “Haikais” no nº 4 da revista Contemporânea, na qual apareceu também, no seu nº 10, do primeiro semestre de 1924, o seu artigo “Isaac del Vando-Villar en siete colores”, prólogo do livro La sombrilla japonesa de Vando-Villar.

Adriano del Valle foi o único escritor espanhol, que saibamos até ao momento, que trabalhou com alguma profundidade Fernando Pessoa. Em Junho de 1923 passa a sua lua-de-mel em Lisboa, onde conhece o autor dos heterónimos, como assinala numa entrevista concedida a Eduardo Freitas da Costa em 1952: “Foi em 1923, em viagem de nupcias, já lá vão quase trinta anos. Viemos a Lisboa, minha mulher e eu, e instalámo-nos no Hotel Universo –que ainda existe– à esquina do Rossio. (…) Tínhamos encontrado à nossa espera os meus amigos da Contemporânea, que José Pacheco dirige e considero a mais brilhante revista de cultura por então editada na Europa: eram Judith Teixeira, Raúl Leal, Fernando Pessoa. A Contemporânea, de resto havia publicado alguns dos meus poemas; em Espanha tinha eu conhecido José de Almada Negreiros… A moderna literatura, a arte moderna portuguesa – não eram novidade para mim…”

De facto, todos os nomes mencionados (noutra entrevista citará também Teixeira de Pascoaes) aparecem também numa das catorze cartas que Adriano troca com Pessoa entre Agosto de 1923 e Novembro de 1924 (dez de Pessoa ao espanhol e quatro em sentido inverso). Adriano del Valle planeou com Pessoa a publicação da poesia de Mário de Sá-Carneiro em Espanha, trabalho a que dedicam, como confessa o poeta andaluz, a maior parte do tempo que passam juntos em Lisboa. Traduziu e publicou no diário La Provincia de Huelva, nos meses posteriores à sua estância lisboeta, dois poemas de António Botto e um poema e um conto de Mário de Sá-Carneiro. Com António Botto, aliás, trocará alguma correspondência, e escreverá um artigo dedicado à sua obra na revista Oromana (1926). Almada Negreiros refere-se a Adriano del Valle, num texto manuscrito dos anos quarenta, como o precursor do seu reconhecimento em Espanha, e o nome de Raul Leal, por culpa de Sodoma divinizada e o seu possível envio a críticos literários espanhóis, aparece citado nas cartas trocadas entre o poeta espanhol e Pessoa, que lhe ofereceu os seus opúsculos de poemas ingleses em Julho de 1923.

Em Setembro desse mesmo ano Adriano publica no jornal sevilhano La Unión um texto em que invoca o magistério de Pessoa (“Con ocasión de mi reciente viaje a Portugal, hube de conocer en Lisboa a uno de los más puros y selectos hombres de letras de aquel bello país ibérico: Fernando Pessoa.”) e traduz um fragmento de uma carta enviada pelo português a Rogelio Buendía acerca do seu livro La rueda de color. Pessoa foi enviando a Adriano livros de prosistas portugueses graças ao dinheiro deixado pelo espanhol para esse fim, pelo que a visão do poeta andaluz sobre a literatura portuguesa do momento estaria condicionada pelos critérios pessoanos: Fialho de Almeida, Aquilino Ribeiro, António Patricio, Eugénio Vieira…

Na última carta enviada por Adriano, de 10 de Novembro de 1924, aparece pela primeira e única vez o nome do Ultraísmo, facto que evidencia o carácter epidérmico da relação estabelecida entre os dois poetas, confirmado pelas escassas referências realizadas mais tarde pelo escritor espanhol acerca da heteronímia de Pessoa.

Adriano del Valle dedicou, especialmente nos anos quarenta, vários poemas e prosas a diferentes lugares da geografia física ou mítica de Portugal, como “Canto a Portugal”, “Misa de alba en Fátima”, “Lisboa a babor”, “Interludio de Sintra” ou “El tesoro del rey (Palacio de Queluz)”.

 

Sáez Delgado, Antonio, Órficos y Ultraístas. Portugal y España en el diálogo de las primeras vanguardias literarias (1915-1925), Mérida, Editora Regional de Extremadura, 2000.

Sáez Delgado, Antonio, Adriano del Valle y Fernando Pessoa (apuntes de una amistad), Gijón, Llibros del Pexe, 2002.

 

ANTONIO SÁEZ DELGADO