[BNP/E3, 144 – 8-8a]
Essa materialização da ideia precisa obedecer a uma dupla condição: deve ser verosímil, isto é acima observado, e emotiva; de despertar certa emoção. Não precisa dar todos aqueles caracteres. Deve dar a ilusão de um carácter real. Num grande artista a ideia e os acessórios que caracterizam a ideia chegam ao mesmo tempo. E seguem o artista ao pensar a ideia separada da forma que a acompanha. Para o autor que quer pôr em cena a hipocrisia, a avareza ou a misantropia. Como são 3 as comédias de carácter de Molière mostrarei o processo de criar
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com todos os caracteres com que se apresenta. Se um autor quisesse dar o carácter real, sobrecarregaria o quadro. O mundo real é muito mais complexo.
Onde vai buscar esses elementos. Às vezes tira-os do seu fundo próprio. Tanto mais rico o teatro dum autor quanto mais observação há. Suponha que Molière queira pôr em cena os vícios de hipocrisia, a avareza, a misantropia. Como há de proceder. A princípio, isto é apenas uma ideia abstracta. Precisa dar-lhe corpo {…}
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Comédia de enredo, de costumes. Dessas outras formas – Comédia de carácter.
A comédia de carácter objecto particular do nosso estudo. Expõe os vícios da sociedade expondo-os ao vício.
Não basta isto para constituir a comédia. Não seria verdadeiramente. Esse vício é duma certa importância social, educativo. A apresentação dos defeitos dos outros homens ou se já os temos, aparenta que os não temos. A boa comédia dá-lhes enquanto arte todos os exageros. O radical é melhor meio. Não só no vício
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há exagero, mas também na virtude. Manter-nos a igual distância. O exagero pode existir tanto no indivíduo que observa como no indivíduo observado. Alceste
Misantropo uma comédia de carácter. Não precisamos o carácter dum indivíduo as suas qualidades morais e intelectuais. Temos a distinguir entre o carácter de indivíduo real e literário. Os caracteres do indivíduo real são muito mais numerosos que os do individuo literário. O autor dramático não precisa de o indicar.