[BNP/E3, 144 – 80]
Byron é por vezes sublime. A sua apóstrofe ao mar (que uma barbaridade gramatical indelevelmente macula), a sua apóstrofe ao sol, {…} – todos estes trechos, posto que neles haja ideias originais, são sublimes pela expressão, pela {…}, pelo fervor poético.
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Byron tem uma retórica interior, não exterior como Victor Hugo.
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Em Shelley o sublime é mais raro do que em Byron, mas o belo mais vulgar – de facto, Shelley é um dos poetas mais poetas que tem havido. Sem ter o amor voluptuoso de toda a beleza que caracterizava Keats, não tem as quedas de Keats {…}
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Há uma palavra inglesa, que desejaríamos ver |introduzida| em [língua] portuguesa[1] que descreve Keats totalmente; é frequentemente usada com respeito a ele. Keats é um poeta sensuoso. Difere sensuoso (sensuous) de sensual (sensual) em não ter referência ao amor sexual, ou, propriamente, amor algum. O amor à beleza, por ser beleza, quando não tirado da ideia metafísica – isto é, quando não perdido o fervor que caracteriza {…}
[80v]
é a sensuosidade (sensuousness). É isto que tem Keats. Em Shelley a beleza é sempre intelectualizada, sempre eterealizada, espiritualizada sempre. Em Keats não. Ele mergulha-se no mar da beleza – qualquer beleza – mulher, flor, mar, luz de luar, canto de ave – sem pensar no fundo desse mar. Em Shelley sente-se sempre, inconscientemente quando não com consciência, que o elemento misterioso e transcendente da beleza o toca e que o aflige mesmo profundamente. A não permanência da beleza é a dor de Keats. A insuficiência da beleza, por sugerir outra beleza maior para a qual a alma anseia é a dor de Shelley, que é essencialmente, como já dissemos, o poeta da aspiração. Nos versos de Keats há mais calor do que nos de Shelley, nos versos de Shelley há mais luz do que nos de Keats.
Os versos de Keats lembram uma noite suave de Verão, passado, sentindo recostado, fechados os olhos, entre o arvoredo, sentindo num deleite sensuoso, levemente amargurado, por isso, não visto do luar, o perpassar macio da brisa, o aroma espalhado das flores, e nem de longe nem de perto, mas vagamente localizado, o canto do rouxinol.
A poesia de Shelley lembra uma noite de Primavera, vista dum terraço abaixo do qual se estende a paisagem inteira, arvoredos, campo, lago, debaixo dum luar nítido e {…}, onde a brisa não sentida mas ouvida misteriosamente; o aroma das flores chega aqui só vagamente; o rouxinol não canta. Mas a alma, vencida por tanta beleza sente-se ansiada, angustiada, confrangida, enquanto o luar em esteiro prateia {…} a nocturna solidão das águas.
[1] em /na língua\ portuguesa