[BNP/E3, 144 – 33-34]
Todo o fenómeno literário – corrente, grupo ou individualidade – é susceptível de ser considerado, e para ser bem compreendido ter de ser considerado, sob 3 aspectos diferentes. Esses aspectos são o psicológico, o sociológico, e o estético. Um fenómeno literário é produto de determinado psiquismo, ou determinadas psiques – de aí a |crítica| psicológica. É produto de determinada sociedade – de aí a |crítica| sociológica. E é produto literário, enfim – de aí a crítica estética ou literária, a crítica propriamente[1] dita.
Ao grupo de poetas e prosadores que apareceram, há pouco, reunidos na revista Orpheu foram feitas críticas nestes 3 campos. Não olhemos agora à natureza dessas críticas. Vejamos apenas que elas se classificam em qualquer daqueles 3 escaninhos. Houve crítica puramente literária; foi a que em geral foi feita. Houve crítica psicológica, sobretudo pela consulta, que alguém lembrou de fazer, a dois psiquiatras da nossa praça. E tem havido – em relação a referências várias, vagas ou claras, ao que de doentio, triste {…} tal corrente representa, sobretudo pelo se sentir que é obra de novos – crítica propriamente sociológica.
Não sorria o leitor dos pomposos nomes de estetas, psicólogos e sociólogos, dados a tão débeis emergências intelectuais quais[2] as que se manifestaram no assunto. Fazemos, a frio e cientificamente, a classificação dos géneros de crítica possíveis, e que, com efeito, apareceram. Da sua natureza, e da sua procedência, tratarão[3] as páginas que se seguem[4]. Seria desrespeito para com o estudioso impessoal destes temas, e ridículo como a obra a sério, estar respaldado à ignorância e incompetência dos repórteres que, entre nós, opinam sobre livros, aos nossos sociólogos de coluna e meia, e aos charlatães que no nosso meio, representam a ciência psiquiátrica. O pudor intelectual obriga ao silêncio.
Por isso o nosso processo será outro, mas com ele
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a resposta não faltará aos críticos, tais quais foram. Porque o nosso processo será simples. Em vez de nos determos com os pobres idiotas que escrevem críticas portuguesas, iremos, nos 3 casos, à fonte. Assim, no caso estético, iremos versar o problema geral apresentado pelo aparecimento do interseccionismo, que é o problema das novidades literárias, de todos os tempos e em todas a nações; o problema da expressão complexa, que empregam os novos poetas e prosadores; o problema, finalmente, {…}. E, ao discutir problemas, reportar-nos-emos às críticas que lá fora se têm feito neste ponto, àquelas, sobretudo, que chovem sobre os simbolistas; e[5] não esqueceremos nunca as diferenças entre os simbolistas e a nossa corrente. Escolheremos o argumento contra nós no seu grau superior e {…}; implicitamente procuraremos fixar resposta aos pálidos ecos de agitação europeia que a nossa corrente conseguiu balbuciar.
Semelhantemente, no campo psicológico. Em lugar de perdermos palavras com Júlio de Matos e o outro, iremos direitos à crítica-mãe, e de uma vez para sempre, escangalharemos a tese |escarnida| pelo charlatão Max Nordau. Toda a objurgatória pseudocientífica à forma e ao género da literatura moderna tem sua origem no livro célebre desse {…}
Através de Nordau, em todo o caso o melhor expositor de tão frouxas coisas, quedará escrita a resposta aos reflexos pálidos de sua atitude que serviu de base crítica aos nossos psiquiatras de feira.
E como no campo psicológico, e no estético, assim também no campo sociológico. Será o problema, em seus aspectos gerais, que encararemos não o que de {…} nossos {…} arguiram.
No fundo será por mais do que nós que combateremos. É em nome de toda a novidade, de toda a renovação que ergueremos a voz, e apraz-nos ver fora do pedestal onde colocaremos nosso desprezo tão depressa os não tirarão.
[34r]
III
Este opúsculo não é destinado a que o leiam os críticos e {…} portugueses.
Escrevemo-lo em estilo simples, para não ser como Júlio de Matos ou como {…} consegue atingir o que nele é dito. Não escrevemos, compreenda-se, para a nossa cretinagem jornalística e literária, que é incapaz de seguir um raciocínio ou conhecer uma ideia quando a encontra.
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A psicologia e a literatura têm tido relações de 3 espécies: têm havido os psicólogos literários, à Sainte-Beuve, que buscam penetrar {…}. Seu lema “compreender é amar” grava bem sua atitude. Por sua natureza este género está fora do nosso assunto.
[1] propriamente /vulgarmente\
[2] quais /como\
[3] tratarão /nem sequer falarão\
[4] que se seguem /seguintes\
[5] e /mas\