[BNP/E3, 143 – 31r-31c]
Gualdino
Caro †
Do alto da obra que não escrevesse prontifica inveja, {…}
______________________________________________________
Visto que me propus tratar aqui apenas de maus livros, vou hoje tratar de um mau livro que não existe. Tem-no levado a vida a não escrevê-lo um empregado público, o sr. Gualdino Gomes.
Poucos cujo tédio os têm levado a roçar momentos seus pelos cafés desconhecem de vista e de nome este grande autor por existir. O seu livro é um só {…}
O que ele diz não só não escreve, mas não se escreve.
[Estrutura da loucura, representando a Negação[1]] este homem realiza em si a sua obra e realiza-a por uma inspiração inconsciente. Merece imortalidade pelo tremendo símbolo que é. Às vezes chego a ver que ele não existe, não tanto (creia) por parecer fora da irmandade tanta negação para tanta loucura, mas porque ele é tão nitidamente aquele
[31ar]
{…}, que chega a |derivar| a † por isso.
Gira-lhe em volta, {…} uma arbitragem condigna – |candidatos| a autores falidos, hipóteses de ex-futuros-poetas, |pós-escritores homens dos literatos| circum-literatos, e toda a restante gente que fingia ser ultra-actores, {…}. Vão na esteira alguns rapazes nossos – e é um pouco por causa deles que escrevo estas linhas.[2]
Ignóbil velho, a quem a humanidade nada deixa generoso[3], e a quem o velho não escrevia a ser digno.
Quanto mais se estuda o tipo mais ele resulta impossível e absurdo. Fala da literatura como se estivesse escrevendo a respeito dela.
[31br]
– Parece o bocado podre de um literato de 3ª ordem que Deus atirou ao mundo para ver o que aquilo dava.
– De vez em quando saem para os jornais injúrias, {…} – lixo da subliteratura: fingia-o a gente da laia deste, que espreita às esquinas as reputações e anda à procura dos boatos dos literatos para, depois de os forçarmos dizer mal do fulano que eles usam.
– Formiga branca da literatura – era carregado por um intuito estranho de denunciar à gente inferior o que os superiores fazem. Na posse deles os homens de grandeza quase que apenas do que tenha de inferior. Ao lerem uma linha fugir de um autor só se lembram de que a não escreveram. Não criam nada, a não ser matéria.
[1] representando a Negação /da Negação, em loucura,\
[2] escrevo estas linhas. /desço de mim até pensar neles.\
[3] nada deixa generoso /examina a nós\