[BNP/E3, 142 – 14-15]
Na “Elegia”, estava como que concentrado, fechado naquele melhor, todo o amor que disse ser derramado pela Natureza-Deus.
O vago dos simbolistas não é o vago dos místicos. Místico era Victor Hugo, não Verlaine, ou Mallarmé, ou {…} – tão mais vago do que ele (|Nada errou|) O simbolista é um poeta de imaginação, não de pensamento.
[14v]
Antenota.
|Traz este livro de versos, pelo menos em alguns pontos – e nalguns desses flagrantemente –, inovações estranhas e estranháveis para a poesia, {…}
Chegada à sua máxima complexidade de ideação moderna precisa de um instrumento de expressão maximamente complexo.
Para quem tem emoções complexas a exprimir, a gramática e a lógica existem secundariamente. É lógico e natural que aquela poesia que se baseia em sentimentos naturais e simples use uma linguagem natural e normal.
Mas a poesia que for complexa?
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Como as obras líricas de Hugo.
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Crónicas Anormais
Considerações metafísicas, para uso mesmo daqueles que as não compreenderem.
Todos os dias, ao andar, pesa sobre mim o espanto infantil de encontrar o universo. É tão estranho, meus amigos, que existam coisas, e que a gente julgue que elas existam[1]! Eu não afirmo – repare-se – que elas existem realmente! Mas elas aí estão, como o seu quê e ali, tão absurdamente candidatas a ser[2] tomadas por reais.
[14ar]
A pintura, a escultura, a arquitectura não são arte.
Na Era da “arte” da “ruptura” etc. vendo falar dá vontade de nos calarmo-nos.
Desinteressamo-nos de tudo isso.
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À parte, e o {…} são distintas de indivíduos que não têm mais que fazer {…}
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O tédio difere do aborrecimento. (Como a preguiça da abulia. Uma coisa contém o sentimento de poder e querer sair dele, a visão do contrário. O tédio não, penetra até ao sonho) (Como uma fúria de zangar, de um acesso de loucura.)
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A distracção? Nunca.
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As Três Portas da Cidade
Há só três coisas que libertam do burguesismo, da banalidade: o tédio, o misticismo, o raciocínio – um porque acha tudo oco, outro porque acha a tudo constantemente um outro e íntimo sentido, e o terceiro porque destrói tudo e da alma nos serve análises ininterruptas, e construi por síntese e interpretação o analisado.
A arte não: o burguês gosta do belo. Um belo inferior? Sim, porque lê e gosta do belo. (Gostar do feio foi, então, um modo de revolta contra o burguês para a originalidade de gosto como Baudelaire tentou.)
[14av]
Paro às vezes, de repente, entre a vida que vai e a que vem, |estagno à margem do descaso|. E o assombro de tudo esboroa-se sobre mim.
Há outros momentos em que parece que o universo de repente representa mal e se trai noutros, em que parece subitamente ouvir-lhe outra vez, colher-lhe de relance outra naturalidade, {…}. Como um repente que um vento traz e num repente {…}, entrementes um bocado irrevelado de qualquer desolada e inesperada coisa…
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O que há de belo é a alma da coisa o que não se vê nela. O mito nunca dá a alma das coisas. Quero por vez dá-la. Para isso defino o objecto como se vê. Mas isso só nos dá a alma da coisa pelo intermédio da obra.
Só a música e a poesia podem fazer isso. A poesia sim; descreve nitidamente, mas essa descrição nítida por sua natureza é aí descrição. Por sua natureza a poesia é espiritualizar.
Só a poesia pode, sem deformar, dar a alma de um objecto.
[15r]
Todos os géneros de poetas místicos têm uma qualidade e um defeito certos – são sempre profundos (ainda que os mais humildes ocasionalmente apenas) e são sempre pouco artistas. Tem a arte que calha terem. Quando o que sentem atingir certo grau de lucidez e {…} atingem arte espontaneamente. Compõem sempre de dentro, nunca vendo-se, olhando-se de fora.
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Entendamo-nos bem. Eu chamo poeta místico ao poeta de ideias que dá as coisas a que chamamos reais um valor de meramente simbólicas e encontra entre elas |relações ocultas e íntimas| de ordem diversa daquelas que a ciência constata. (Eu não emprego “misticismo” aqui o sentido psicológico, no sentido em que Nordau empregou a palavra.)
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# a quem o motivo inspiracional de qualquer experiência é não o que ela lhe fez sentir (amor para os poetas de sentimento), não o que ela lhe fez lembrar (como para os poetas de imaginação), mas o que ela lhe faz pensar não pensar dentro do assunto (isso é sentir) intensificando-o, analisando-o, mas fora do assunto, tornando-o outro – o que ela significa para ele. Assim tomemos dois poemas de amor – os maiores, a meu ver, que se tem escrito: a Last Ride Toghether de Robert Browning, e a sua Elegia.
[15v]
Os gregos – poetas de imaginação.
Renascentistas – poetas de sentimento. ?
Românticos – poetas de pensamento.
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Pensando no amor, Musset nunca sai do amor; isto é, é um poeta de sentimento, não de pensamento. O amor como facto existente no mundo, como outras coisas coexistindo, e o Mistério envolvendo tudo – isso não o preocupa; o amor em si, as dores, as alegrias dele.
Amplia… até Deus
quanta “perda de sentimento” escreve isto – parece-lhe sim abandonado, já não-amor. Aqui o amor torna-se abstracção, perde o seu acento com que era sentido.
O poeta de sentimento mostra mas sente; o de imaginação encontra. O de pensamento paira, menos tangível, acima deles.
[1] existam/em\
[2] ser/(em)\