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Fernando Pessoa
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BNP/E3, 14-1 – 89-90
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Titulo
"A Literatura da Decadência" - Notas ao livro de Max Nordau.
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 141 – 89-90]

 

"A Literatura da Decadência" -

Notas ao livro de Max Nordau.

 

Outrossim se engana o psiquiatra alemão quando contesta ao poeta o vago do pensamento, fazendo distinções, para o caso fúteis, entre pensamento são e pensamento mórbido - o primeiro próprio, no dizer dele, do verdadeiro e são poeta, por exemplo Goethe, o segundo do poeta degenerado.

Em arte porém não se trata, nem da degenerescência do artista como homem, não da sua degenerescência mais localizadamente, como pensador ou |sentiente|. Trata-se apenas da sua degenerescência única e exclusivamente como artista. O fundo da sua personalidade e do seu pensamento pode ser, quanto se quiser, mórbido e anormal[1]: nada disso esteticamente importa. É da sua forma - forma psíquica - de estetizar esse pensamento, e na sua {…} que o crítico de arte trata.

Um sentimento em si mórbido pode ser higidamente tratado por um artista; o homem será doente e o artista são. Os sentimentos ins-

 

[89v]

 

piradores não são limitados por assuntos morais, naturais ou {…}. |Baudelaire é um grande poeta e um homem emocionalmente doente| {…}

_______

 

Um sentimento em si vago e indefinido pode ser tema inspiracional de um poema, de um quadro ou de uma |partitura|. Grande parte dos sentimentos inspirados dos artistas é indefinida e vaga. A saudade, o {…}, o horror da morte, {…} da vida, a sensação {…} do mistério - nenhum destes temas supremos de inspiração é coisa clara, nítida e exaustivamente analisável. Emocionalmente porém é claro. Ora a arte é apenas a substituição da inteligência à emoção {…}. O que deve sê-lo porém é o modo como o poeta, o artista ou o compositor musical o concebe para que artisticamente o interprete. O que não pode ser vago e indefinido é o pensamento do poema, quadro ou partitura em si. Aí é que vem a parte do artista. A suprema arte é justamente a concretização do abstracto, a nitidização do indefinido, a lucidização do obscuro no símbolo, ideia ou {…} basilar à obra de arte.

_______

 

[90r]

 

Três modos há de tornar clara uma ideia, por vaga e indefinida que em si seja: o símbolo, a adformação e a imagem. Por adformação[2] entendo a adaptação basilar da forma ao fundo; ora a forma duma emoção é o som expresso pelos órgãos visuais (e por análise, o som em si.) Daí ser a música a arte da adformação. O primeiro é essencialmente o método das artes visuais; o segundo é o método da música, o terceiro o da poesia, conquanto a poesia use todos três.

Mas o artista são, use qualquer dos 3 métodos, nota-se por uma particularidade: tornar lucida a ideia, por vaga que ela seja.

 

O pintor, por exemplo, para simbolizar qualquer {…} tem, por ser pintor, de tornar lúcido, por visual ter de o tornar, o assunto do seu quadro. O compositor musical para simbolizar qualquer coisa tem, por ser músico, de a tornar lúcida, por dar-lhe a forma representativa da emoção. Para poder compor uma |partitura| tem de a fazer tomar corpo na sua inspiração melódica – e tomar corpo é definir-se, tornar-se de certo modo lúcida, |flagrante|. E o poeta, finalmente, para representar qualquer assunto inspiracional, tem de o reduzir mentalmente a uma imagem, a qualquer coisa de espiritualmente material e |táctil|, de interiormente viva e vivida.

 

[90v]

 

E a seguir – como lhe é dado fazer – o método mais peculiar do pintor, ou o mais peculiar do músico, tem de manter na poesia a lucidez que a eles – pintor e músico – é forçoso manter nas suas artes respectivas para que sejam artistas e não alienados ou idiotas.

 

É caso de distinguir, como apontasse e fizesse Edgar Poe, a expressão da obscuridade da obscuridade de expressão. O obscuro em si lucidamente expresso permanece o obscuro em si; o obscuro não claro, mas claramente obscuro. A arte que dá ao obscuro uma expressão lúcida não o torna claro – porque o que é obscuro de essência só por erro de interpretação podia deixar de o ser – mas torna-lhe clara a obscuridade. Assim Antero de Quental dá, nos seus sonetos, a mais consumada expressão poética aos assuntos mais abstratos e obscuros. Torna-lhes luminosa a obscuridade; vemos mais lucidamente do que nunca quanto essa obscuridade é obscuridade, quando essa obscuridade é obscura. O mais alto poeta, na mais alta expressão que dê ao mistério do universo, não no-lo torna claro; o que nos torna claro – na proporção em que a sua arte é sublime – é o quanto esse mistério é mistério. Exigir mais do poeta, e não saber o que ao poeta se deve exigir.

 

[1] anormal /ou estranho\

[2] af/d\formação

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/4249

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Literatura
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Biblioteca Nacional de Portugal
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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Publicação parcial: Teresa Rita Lopes, Fernando Pessoa et le Drame Symboliste: heritage et création, Paris, Fondation Calouste Gulbenkian, 1985, pp. 495-497.
Publicação integral: Fernando Pessoa, Escritos sobre Génio e Loucura, Edição de Jerónimo Pizarro, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2006, pp. 380-381.
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