[BNP/E3, 141 – 6]
Prefácio a uma antologia portuguesa:
Os períodos, que uma nação atravessa no decurso da sua literatura não se prestam, as mais das vezes, a uma distinção imediatamente fácil. Tanto porque “períodos”, nesta fluída e penetrada coisa chamada a vida, sejam, um pouco, hipóteses e conveniências da inteligência, como porque, deveras, o fim de um período e o princípio de outro se misturam num amálgama difícil de definir, essa distinção resulta árdua.
Poder-se-ia, facilmente, cair no erro cepticista de afastar a ideia de período. Mas, porque o instável precisa do estável para ser instável, etc etc
Um período literário difere de outro não, em geral, pelo género de coisas cantadas – porque essas mudam pouco e são poucas –, mas pelo modo de encarar a realidade........
Fundamentalmente, pois, um período literário não passa de um conceito metafísico interpretado pelo sentimento. Tanto assim é que, demonstravelmente, não há renovação literária que não haja sido acompanhada por uma renovação filosófica. A dissolução do aristotelismo escolástico (não importa saber até que ponto ele era realmente aristotélico) coincidindo com a Renascença; a dissolução kantiana das filosofias dogmáticas, coincidindo com o romantismo; em menores graus, ............
Posto, pois, que um movimento literário não passa, no fundo, da manifestação dum novo conceito do universo, expresso pelo sentimento, resultará que em Portugal nunca houve ainda mais do que dois períodos literários. A esta conclusão, aliás, havíamos chegado antes que houvéssemos estabelecido as suas razões sociológicas, e apenas pela directa impressão que os factos nos tinham causado.
O primeiro período da nossa literatura é todo dominado por aquele conceito do Universo que se encontra dentro do catolicismo: tal período dura desde a formação da nacionalidade (ou, para o nosso caso, desde que há literatura portuguesa) até àquele período a que erradamente se chama “romântico” entre nós, o de Garrett e Herculano, em que esse conceito do Universo começou a dissolver-se.
Data de aí a antemanhã do nosso segundo período literário, ainda longe de estar a meio-caminho.
Só quando lograrmos chegar a um conceito português do Universo teremos atingido o período altamente criador da nossa literatura.
A inferioridade fundamental da literatura francesa, motiva-a a circunstância de que os franceses nunca tiveram um conceito do universo que fosse coisa flagrantemente sua. Viveram sempre metafisicamente nos níveis baixos do pensamento. A sua obra é política e social, como povo, não fundamentalmente civilizacional. De aí aquela circunstância de que nunca atingiram a culminância em nada – o que Matthew Arnold disse no verso
France, famed in all great things, in none supreme {…}