[19 – 107-107a]
A Ternura Lusitana
ou
A Alma da Raça
O costume de definir o português como essencialmente lírico, ou essencialmente amoroso – absurdo, porque não há povo quase nenhum que não seja estas duas coisas. Ao mesmo tempo vê-se que, ainda que a expressão falhe, há qualquer coisa de verdade, que não chega a descobrir-se, nestas frases.
O que é que há de quase-indefinivelmente português, de portuguesmente comum, excepto a língua, a Bernardim Ribeiro, Camões, Garrett, Antero de Quental, António Nobre, Junqueiro, Correia de Oliveira, Pascoaes, Mário Beirão?
Em primeiro lugar, é uma ternura. Mas o que é essa[1] ternura?
[107ar]
Ternura vaga e {…} em Bernardim Ribeiro, ternura que rompe a casca de estrangeirismo de Camões, no seu auge ternura heróica, ternura metafísica em Antero (curiosíssima fase da ternura que dá corpo ao abstracto, e pode amar realmente um Deus que seja relativamente uma fórmula matemática); ternura por si-próprio e pela sua terra – esquiva, espontânea e com o lado-tristeza acentuado, em António Nobre (artigo sobre o Sá-Carneiro), ternura pela paisagem em Fialho, ternura que chega a assomar às janelas da alma de Eça de Queiroz.
Chamar ao sol “solzinho de Deus” é um fenómeno especial da ternura. Nessas frases do povo está o gérmen de todo o pátrio.
[1] essa /uma\