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Fernando Pessoa
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BNP-E3, 18 – 91–99
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[Sobre o drama]
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Autor
Fernando Pessoa

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Titulo
[Sobre o drama]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 18 – 91–99]

 

I.

 

O drama, como todo objectivo, compõe-se organicamente de três partes – das pessoas ou caracteres; da entreacção dessas pessoas; e da acção ou fábula, per meio e através da qual essa entreacção se realiza, essas pessoas se manifestam. Produto subjectivo assim composto, o drama provém de três qualidades – do instinto psicológico, que cria e informa os caracteres, e depois os vai descobrindo uns per meio dos outros; do instinto dramático, que inventa ou renova a fábula, e dispõe o seu seguimento; do instinto artístico, que ordena a operação dos outros dois[1] na construção harmónica do todo, como na execução formal de cada parte.

Ao dramaturgo, para que de natureza o seja, são necessários estes três instintos; e, para que mereça o nome como louvor, um ou outro tem que haver nele em grau notável. Conviria, por certo, que nele existissem todos, não só em grau notável, senão também no mesmo grau; para que a obra fosse, ao mesmo tempo, inspirada e harmónica. Mas a imperfeição da natureza humana não permitiu ainda que um engenho tal nascesse; seria porventura um monstro de perfeição, o monstrum vitio carens do poeta. Houve, sim, um Shakespeare, psicólogo sem igual, mas artista irregular e dramaturgo imperfeito; houve um Molière, grande dramaturgo, porém artista e psicólogo insuficiente; e outros houve que não esqueço, e omito. Só os gregos, num nível[2] que na psicologia não é o de Shakespeare, nem na arte da acção podia ser o de Molière, fruíram, pelo instinto de harmonia que os distinguiu como povo, a posse daquelas três qualidades – predominando, contudo, a artística – em quase igual plenitude.

 

II.

 

Àquelas três qualidades chamei instintos, como, com diferente propriedade, podia[3] ter chamado intuições. Entendi, em primeiro lugar, empregar um termo por onde logo se visse que são, não faculdades distintas da inteligência, movidas de fora pela vontade, e por isso, não sofrendo[4] alteração, impotentes para exceder os limites próprios da inteligência – que compreende mas não cria –; porém[5] aplicações diferentes da mesma inteligência, que, informada |e diferenciada| por impulsos distintos da índole, se consubstancia com eles, para que operem, tomando de cada um a sua cor[6] especial, como[7] a sua qualidade genérica, que é a de criar.

Se dos dois termos aplicáveis elegi, como melhor, o de instinto, foi porque a esta razão uma outra ainda se juntou. Não há dramaturgo verdadeiro, sem que exista nele em grau notável uma ou outra daquelas qualidades; e são necessariamente, como acabámos de ver, não faculdades da inteligência, senão disposições da índole. Quando, porém, uma disposição da índole existe em nós em grau notável, e por isso[8] forçosamente determina o carácter e as inclinações, essa qualidade, por tal ser, denota que é uma fixação da hereditariedade, embora por variação, e que por isso em tudo se assemelha – mais, se identifica – ao[9] instinto.

Como os três instintos do dramaturgo, além do que seja comum a todos os instintos, têm de próprio o seu uso necessário da inteligência, com propriedade[10] lhes poderemos chamar instintos intelectuais. Com o emprego deste termo não esqueceremos, nem que são instintos, para que constantemente oponhamos a sua operação

 

[92r]

 

à operação da inteligência, quando a mova só a vontade consciente; nem que são intelectuais, para que, quando essa oposição se faça, não se esqueça que é a substância da qualidade operante, e não o meio per que opera, o por[11] onde ela se distingue da inteligência.

|Também, no seguimento deste breve tratado, escreveremos “inteligência” e “instinto”, sem mais dizer[12]. Entenda-se, porém, por inteligência esta, que, quando movida só pela vontade consciente – que, como não tem cor, a recebe dela – não se manifesta, portanto, senão como inteligência; por instinto, o impulso da índole, que, embora operando pela inteligência, como lhe dá a ela a cor que a ele é própria, se manifesta, na própria inteligência, como impulso mesmo que é. À primeira convirão, para a descrever, as qualidades distintivas da inteligência em geral; ao segundo caberão, para o definir, as[13] determinações próprias[14] de todo o instinto.

 

III.

 

Quando, guiados por estes princípios (e per que outros, que não estes, nos guiaríamos?), nos propomos determinar, como críticos, qual o valor de um dramaturgo, ou de uma obra dramática, temos que empreender uma dupla investigação. Investigaremos, primeiro, se deveras se trata de um dramaturgo, se apenas de um escritor dramático; ou, per outras palavras, se o dramaturgo o é de instinto, ou de inteligência; se a obra, produto de um impulso natural da índole, pode, pois que o é, significar um valor da sua espécie, ou se, simples composição da inteligência, de modo nenhum pode ser mais na espécie a que pertence, de que uma habilidade da literatura, bem desempenhada embora no que nela seja estranho a essa espécie.

Feita que seja esta primeira determinação, e quando dela resulte que a obra, com efeito, provém do instinto e não só da inteligência, teremos que determinar a força do instinto, que se moveu para realizar a obra, com o que teremos determinado o valor do autor, como dono desse instinto.

Mas a esta investigação especial e concreta cumpre que preceda a genérica e abstracta, dupla como aquela: qual o sinal necessário, pelo qual distinguir[15] um produto do instinto, de uma composição da inteligência?; qual o sinal ou sinais[16] por onde se meça[17], num produto do instinto, a quantidade, força,[18] do instinto que o produziu?

Esta investigação vamos fazer, esclarecendo, com fazê-la, o que acima se disse do instinto e da inteligência e, em um e outro caso, quando feita na generalidade, daremos a sua aplicação ao caso especial da arte dramática.

Senhores por fim destes esclarecimentos, poderemos, ao menos, obviar a que o defeito natural[19] da crítica – que é o ser espontaneamente[20] subjectiva – nos desvie de um critério, quanto possível, objectivo e científico.

 

IV.

 

|A distinção entre a inteligência e o instinto reside primariamente na[21] natureza dos objectos, a que se aplicam. A inteligência tem por objecto o universal, o instinto o particular. A força da inteligência reside portanto na sua extensão, a do instinto na sua intensão.| E a inteligência, como quanto mais forte mais extensa, quanto mais forte for, tanto mais lenta terá de[22] ser; o instinto, per contra, como quanto mais forte mais intenso, quanto mais forte for, mais rápido será. Só dos dois primeiros

 

[93r]

 

pormenores desta distinção há mister, para o nosso caso, que nos ocupemos, sendo que na obra de arte, qualquer que seja, |como bem disse o cómico,| le temps ne fait rien à l’affaire.

Aplicando este critério para, na[23] compreensão de um objecto distinguir a inteligência aplicada pela vontade da inteligência informada pelo instinto, temos que a inteligência, como por natureza é extensa e ascende ao universal, quanto maior for, com maior número de objectos se relacionará o objecto[24] em que se emprega; sendo que o instinto, quanto maior for, e por isso mais intenso e concentrado, com menor número de objectos relacionará o que contempla, e mais completamente o considerará sozinho. O instinto, pois, quanto mais forte for, mais rápida e completamente se apodera[25] da essência do objecto, pois que, isolando-o, o considera em ele-próprio; a inteligência, quanto mais forte for, mais prontamente resolverá o objecto num sem-número de ligações e de referencias, aproximando-se, sim, das suas causas e efeitos, mas afastando-se do essencial. É por isto que se dá o caso, tantas vezes visto quantas admirado[26], de um intuitivo entrar com tamanha segurança na compreensão de um assunto, em[27] que um inteligente, por mais que o considere, e por mais que lhe vá acertando com os acidentes, não alcança a essência[28] verdadeira.

Distingue-se, pois, o produto, que o é primariamente do instinto, daquele, que o é da inteligência, em que, no primeiro, o essencial está com certeza obtido, o acessório ou acidental possivelmente por achar[29]; sendo que, no segundo, o acessório estará mais ou menos expresso, o essencial necessariamente por exprimir.

Já podemos agora, aplicando este princípio à arte dramática, estabelecer em que se distingue o drama, produto do instinto, do drama, composição da inteligência.

Três são, como no começo vimos, as partes objectivas do drama, e às objectivas temos de[30] atender, considerando um produto feito[31]; são elas as pessoas, a entreacção das pessoas e a fábula. O essencial, quanto às pessoas, é que sejam naturais e humanas, e, como elas se manifestam pelo diálogo, a virtude prima do dramaturgo, neste ponto, é que escreva um diálogo natural; quanto à entreacção das pessoas, que provenha de seus caracteres, e não da fábula, que deve ser como a condição, e não a causa, da entreacção; quanto à fábula, que pareça proceder da entreacção dos caracteres e não da construção do autor, acontecer porque eles existem e não para que eles existam, – que pareça, na verdade, ser, não fábula, senão vida.

Parece, sem dúvida, que estes requisitos objectivos dos instintos dramáticos, como são fáceis de expor, serão também fáceis de conseguir[32]; julgareis que uma inteligência prudentemente aplicada poderá alcançar[33], sem grande esforço, a sua execução. Como em tudo, quanto é do instinto, assim parece e assim não é. Estudai[34], com crítica segura, tal ou tal[35] outro drama vulgarmente célebre; vereis quão poucas vezes o diálogo, a entreacção, a acção, são como a vida, quão poucas |vezes| a execução do drama apresenta aqueles sinais necessários do produto do instinto. Escritores dramáticos inteligentes há muitos, porque há muitos homens inteligentes, e que o são ainda mais por serem cultos; o dramaturgo de instinto, porém, tem que o nascer, e a natureza é menos prodiga em[36] valores, de que os homens na[37] imitação deles.

 

[94r]

 

Ver-se-á isto melhor reparando, depois de nos essenciais do drama, nos seus acessórios. São acessórios principais do drama: quanto às pessoas, que o seu diálogo seja em linguagem inteligível e, quanto caiba, boa; quanto à entreacção das pessoas, que não seja absurda quanto aos seus motivos; quanto à fábula, que seja plausível, e quanto possa ser, nova. Isto, sim, podereis encontrar, não só, com outras qualidades, nos dramaturgos de instinto que sejam também cultivados, com também, sem essas outras, nos bons escritores que a inteligência fez, mas o destino não fadou[38], dramaturgos.

 

V.

 

Determinados, assim, os sinais necessários, pelos quais se conheça, de-pronto, o dramaturgo de instinto, seguiremos investigando, e olhando agora a qual possa ser o critério seguro, pelo qual, no dramaturgo de instinto, se distinga o maior do menor, se determine, de um instinto e por isso de seu dono, quanto vale, e porque o vale.

Como se distinguem quanto aos fins, também a inteligência e o instinto se diferençam quanto aos objectos que constituem a matéria da sua experiência; e não só quanto à matéria, como também quanto à forma da experiência, e à relação entre essa matéria e essa forma.

 

[95r]

 

A inteligência, como tem por objecto o universal ou geral, tem necessariamente por meio o particular; como alcançaria ela o universal senão partindo do particular, que tira da sensação, em que ela se apoia, e que só do particular tem conhecimento? O instinto, como tem por objecto o particular, tem forçosamente por meio o geral, pois como procuraria ele o particular, se não se guiasse pelo geral, que tira da inteligência, per quem se manifesta, e que só no geral tem aplicação? Como, pois, tem por meio o particular e por natureza a extensão, a inteligência alimenta-se de quanto a alargue, a aumente, a desenvolva, a habilite a generalizar – ideias particulares, factos concretos, sensações definidas, com que a memória se enche e o raciocínio se instrui. Como, per contra, tem por meio o geral e por qualidade a intensão, o instinto alimenta-se com quanto o concentre, e o defina[39] – não factos, mas resultados; não sensações, porém estímulos; não ideias particulares, senão gerais.

 

[96r]

 

Como a inteligência tem por objecto o universal e a extensão por qualidade, o seu valor ou força residirá na amplidão com que generalize; como, porém, tem a propriedade de ser passiva, e de receber todos os factos ou ideias particulares que a sensação[40] lhe entregue, e como nem todos eles convirão às generalizações que haja de fazer, segue que não há entre o em que consiste a sua força, e o em que consiste a sua experiência uma correlação perfeita; sendo que, não os factos particulares que recebe, porém o uso que deles faz, é que denota essa força.

De cada instinto, como tem por objecto um particular e por qualidade a intensão, o valor consiste na completidão com que se aposse, no objecto particular para que tende, da essência dele, que é o que o denota como particular. Como a essência do objecto, limitada por natureza, necessariamente se define, per meio[41] de um pequeno número de ideias gerais, ele tão completamente se apossará do objecto, quanto mais completamente se esteja munido[42] das ideias gerais possíveis necessárias para essencialmente o definir ou encontrar. E como é por natureza activo e portanto procura, e não recebe, a experiência, o número de ideias gerais, convenientes ao seu fim, que haja aprendido, dependerá da força com que houver tendido para esse fim e portanto procurado os meios para o conseguir.

Vemos portanto que na completidão, com que se apodere do objecto particular que se destina, ou o número de ideias gerais possíveis, convenientes a alcançar esse objecto, servem indiferentemente de denotar o valor ou força de um instinto. Por isso, sendo que na inteligência, é o uso do conteúdo e não o conteúdo, que denota a força, no instinto o conteúdo e o uso dele são exactamente correlativos, qualquer deles podendo portanto denotá-la. E como destes dois sinais do valor, o conteúdo, como consiste em ideias gerais que forçosamente estão manifestadas, é que é o sinal veramente objectivo, temos que, para investigar o valor de um instinto, servir-nos-á de indício o número das ideias gerais possíveis, convenientes ao seu fim, de que esse instinto se utilizou.

Temos, agora, que determinar, em relação aos três instintos do dramaturgo, quais são, para cada um, as ideias gerais possíveis de que se pode servir. O valor do dramaturgo, a quem depois apliquemos este critério, será conforme o número dessas ideias, de que se aproveitou – não, entenda-se bem e sempre, como homem culto, e intrometendo-as nos acessórios da obra, porém como homem de instintos, e integrando-as nos essenciais.

______________________________________________________________________

O número de ideias gerais possíveis, pelas quais um instinto intelectual se guie, nunca pode ser muito grande {…}

 

[97r]

 

Quando, também, descobrimos que um dramaturgo se apoderou de um certo número de resultados da cultura da sua época, não se entenda que lhe chamamos culto, pois que a cultura é da inteligência; entenda-se só que a operação dos seus instintos espontaneamente integrou em si resultados, que porventura a inteligência nunca aprendeu.

São três, como já vimos, os instintos do dramaturgo – o psicológico, o dramático, o artístico. São de três ordens, portanto, as generalidades que, para uso desses instintos, ele pode colher no ambiente – as generalidades da psicologia, as da arte dramática[43], e as da arte em geral.

Como, porém, por generalidades da psicologia, da arte dramática, e da arte que possam ser colhidas no ambiente, não poderemos entender senão os resultados da experiência ou cultura psicológica, dramática, artista, da época, em que o dramaturgo viva, temos que a força de um daqueles seus instintos se mede pela perfeição com que se apodera de todos as ideias gerais, utilizáveis para o seu fim, que existam como resultados na cultura do seu tempo. E quando por erro se objecte que não é próprio do instinto tomar posse de ideias, repare-se no que ficou dito sobre os termos instinto e inteligência, como aqui seriam, por brevidade, empregados; e em que se trata de instintos a que tão propositada, como propriamente, chamámos intelectuais.

Definiremos, portanto, um dramaturgo de talento o que, sendo-o de instinto, integra nesse instinto o maior número possível de resultados da experiência ou cultura da época, que a esse instinto sirvam; sendo o grau do talento medido pelo número desses resultados, de que se apoderou.[44] Um dramaturgo de génio será aquele cujos instintos próprios excedam no seu conteúdo a experiência que a sua época pode fornecer; como no caso psicológico, no exemplo notável de Shakespeare, cuja intuição psicológica e psiquiátrica excede, e em muito, a noções que a ciência do seu tempo lhe poderia ministrar.

Não será também descabido[45] lembrar que a presença numa obra dramática, de resultados da experiência da época, neste ou naquele ponto, não denota que um instinto dramático se haja apoderado deles: podem ser dados pela inteligência ao dramaturgo, |*como pelo| instinto. Mas, se o são, com faculdades |*o podemos descobrir|, porque só sendo do instinto, não se integram no drama, ficando-lhe de fora.

{…} por isso inorgânicas. 

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Quando, finalmente, insertos numa obra dramática tal ou tal outro resultado da cultura da época {…}, logo se verá, antes de que ele sendo o instinto, se ele é só pelo instinto ou parte já pela inteligência. Qualquer dramaturgo de instinto, quando, como por inteligência, aprende os resultados da cultura do seu tempo; como esses resultados só cabem para a cultura do seu instinto quando estão integrados como instinto e não estão instruídos pela inteligência; mas, como faz uso da cultura psicologista que a cultura da época dá forma, muitas vezes as empregam como como inteligente e não como dramaturgo de instinto. E tantas vezes, quantas assim as emprega, quando é dramaturgo, porque essas ideias estão fora da organização da obra. (Como conceito falso, porque não deve de ser conceito, senão {…}.)[46]

 

[98r]

 

V

 

A inteligência, como tem por objecto o universal e por natureza a extensão, utiliza, do conjunto indefinido a que se chama a experiência, tudo quando a alargue, a aumente, a desenvolva – ideias particulares, sensações alegres, factos concretos, com que a memória se enche e o raciocínio se instrui. O instinto, como tem por objecto o particular e por natureza a intensão, utiliza, na mesma experiência, o que o concentre, o mantenha e o defina – não factos, mas resultados, não sensações porém estímulos, não ideias particulares senão gerais. A força, que é o mesmo que o valor, de uma inteligência, residem na capacidade, que tenha, |de| abranger[47] factos, de estabelecer relações entre eles, de os decompor em suas origens. A força, e portanto o valor, de um instinto reside, per contra, na maneira completa e rígida como se apodera de resultados, se serve dos estímulos se utiliza das generalidades.

 

A inteligência, como é passiva e rígida por natureza, não escolhe o que lhe vem do exterior; recebe tudo, e só depois elaborando, transmuta e analisa. O instinto, como por natureza é activo, imediatamente rejeita o que no exterior lhe não serve; per contra um acto imediato escolhe antes de ter, e não depois de ter, como a inteligência.

 

Por isso vereis que a uma multidão, que é um agregado instintivo e não inteligente, não poderá ser movida pelo raciocínio e pela demonstração; movê-la-eis, sim, pelas ideias gerais, tão vagas quanto quiserdes, logo que lhe calem os instintos; pelos resultados do que estudastes ou pensastes talvez, nunca pela exposição inteligente de como o estudastes, de que modo o viestes a pensar. Ao ouvinte isolado e inteligente, a quem vos dirijais, tereis, per contra, que concretizar o mais possível, para o moverdes, de raciocinar o mais possível, para que o persuadais.

 

Quanto, agora, aos três instintos, cuja posse distingue o dramaturgo, de que generalidades[48] se alimentam eles?

Como são instintos, alimentam-se daquelas generalidades, que mais propriamente os[49] sirvam. Como são instintos intelectuais, alimentam-se de generalidades intelectuais. Estas generalidades que sendo intelectuais mais propriamente as sirvam são necessariamente de duas ordens: as que inteligência induziu da observação, e que servem ao dramaturgo de expressão pessoal para a construção do drama; e as que o instinto espontaneamente hauriu do exterior, e que servem a outros de expressão intelectual, só para a composição do drama, e para a sua construção. Com as primeiras o instinto define-se; com as segundas alimenta-se[50]. Revelam-se as primeiras na escolha do assunto e das pessoas; e por isso não servem ao crítico, pois que com a escolha do assunto e das pessoas nada tem, senão apenas com o modo como o assunto é disposto[51] e elaborado[52], e a forma, natural ou não, como as pessoas per ele se manifestam. Não sendo, pois, per esta espécie de generalidades[53] que o instinto[54]

 

[99r]

 

é que o autor dá mais a sua especialidade, que a universalidade que nele cabe. Embora a obra seja natural e naturais as pessoas, isto é, tendo a verdade de vivas, no caso que trata, assim como nas pessoas per quem o trata, o autor dá mais a especialidade como tal, que a universalidade que nela cabe. Shakespeare, quando trata {…}, mas em cada um dá o humano, não o doente; e a figura, que faz o pasmo dos psiquiatras pelo entendimento que mostra da sintomatologia das neuropsicoses, faz o nosso pasmo de homens pelo entendimento que mostra funcionamento comum do espírito humano.

 

[1] dos outros dois /(assim)\

[2] nível /(grau)\

[3] pod/(er)\ia

[4] não sofrendo /como não sofrem\

[5] compreende /(apreende)\ /(esclarece, corrige,)\ mas não cria –; porém /(senão)\

[6] cor /(distinção)\

[7] como /(como também)\

[8] por isso /portanto\

[9] ao /(a um)\

[10] propriedade /exactidão\

[11] po/e\r

[12] sem mais dizer /(simplesmente)\.

[13] o/a\s

[14] próprios, no original.

[15] pelo qual /se\ disitinguir/rá\/amos\ /observamos\

[16] sinais /indicativo\ /gradativo\

[17] mida, no original.

[18] quantidade, /ou\ força, /(ou grau)\

[19] natural /virtual\

[20] espontaneamente /naturalmente\

[21] reside /consiste\ /manifesta-se\ primariamente na /da\

[22] de /(que)\

[23] na /no acto da\

[24] objecto /aquele\

[25] completamente /exclusivamente\ se apodera /inteirará\

[26] admirado /estranhado\

[27] em /de\

[28] essência /propriedade\

[29] achar /obter\

[30] de /que\

[31] feito /completo\

[32] conseguir /alcançar\ /efeituar\

[33] alcançar /conseguir\

[34] Estudai /Considerai\

[35] tal ou tal /qualquer\

[36] em /de\

[37] na /da\

[38] mas /não\ o destino não fadou /fez\

[39] o defina /o habilite a operar\

[40] sensação /(sensibilidade)\

[41] per meio /quanto muito\

[42] esteja munido /experiente\ /tenha experiência\

[43] da /obra\ arte /drama\ dramática

[44] de que se apoderou. /(espontaneamente)\

[45] descabido /mal\

[46] [97v] |*A qualquer rústico ou iletrado podemos ouvir, hoje, a palavra “ideia”, sabedores que essa palavra existe nas línguas modernas por uma longa simplificação intelectual, derivando, na sua origem, igual conceito da filosofia de Platão; não diremos, porém, que esse rústico leu essa filosofia ou ouviu, cremos, falar em maiêutica. É cremos isso imposição mais rápida e em arte geral, porém do mesmo género, que a experiência em causa do instinto ou inteligência em relação aos resultados que lhe apresente da cultura da sua época.

 

Procederemos pois e certos, que os resultados se podem esperar, para o próximo, que é um pouco mais complexo.|

[47] na /(sua)\ capacidade, que tenha, |de| /em\ abranger

[48] generalidades /(especiais)\

[49] os /lhes\

[50] alimenta-se /se fortalece\

[51] dis/com\posto

[52] elaborado /apresentado\

[53] per esta espécie de generalidades /pelas generalidades de espécie pessoal\

[54] define a sua potência, força é que seja pelos outros. E esses outros o que são?, apontamento manuscrito acrescentado à margens.

Notas de edição
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https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2377

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